sexta-feira, 28 de agosto de 2009

Literatura e Cinema

Por Lázaro Luis Lucas

Não há quem não faça. Sempre que algum produtor de cinema e/ou televisão resolve adaptar uma obra literária, aquele cinéfilo que também aprecia um boa leitura, não consegue resistir à tentação de comparar o resultado final visto nas telas com o livro que serviu de base para a adaptação. E o veredito, quase sempre, é o mesmo: o livro é melhor.

Em alguns casos mais extremos, só gosta do filme quem desconhece a obra original. E tudo isto não deixa de ser uma verdade. Mas não é absoluta.

Acredito que desde que surgiu o cinema tal como o conhecemos - e o mesmo deve ter ocorrido com a TV -, surgiram também as adaptações de obras literárias. Romances, textos compostos originalmente para o teatro, poemas.

Todo e qualquer tipo de material escrito já deve ter sido usado como base para um roteiro. Podemos encontrar, só para se ter uma ideia, o livro Frankenstein: Or The Modern Prometheus, de Mary Shelley, escrito entre 1816-1817, adaptado em curta-metragem para o cinema, já em 1910, por Thomas Edison. O cinema tinha apenas 15 anos à época.

William Shakespeare, as irmãs Brontë, Stephen King, Nelson Rodrigues, Michael Crichton, John Grisham, Edgar Allan Poe, Graciliano Ramos, J. K. Rowling, J. R. R. Tolkien, Aleksei Tostoy. A lista é infindável.

Acredito que existam, pelo menos, três formas de adaptação cinematográfica. A primeira seria a adaptação ao pé da letra. Aqui, busca-se se preservar ao máximo o conteúdo do texto original. Obras literárias já lançadas com ambições a roteiros cinematográficos abrem ampla vantagem em comparação às demais. Mas o cinema não é matemática. O que funciona muito bem com o simpático bruxinho de J. K. Rowling revela-se um desastre em O Caçador de Pipas (Marc Forster, 2007).

A segunda seria a tirando de letra. Aqui, o que vale são as regras do mercado. Muda-se o que for preciso. O importante é fazer dinheiro. Creio eu que os produtores de cinema e TV pensam, e com certa razão, que uma coisa é um leitor interessado em uma boa leitura. Outra coisa é o pagante de cinema que, nas maioria das vezes, está ali apenas para se entreter por uns 90 minutos. Enquanto o primeiro sabe exatamente o que está lendo, o segundo, quase sempre, nem está informado sobre o tema do filme. Sabe apenas que é uma comédia com Selton Mello. E é ao segundo que o filme, e não o livro, tem de agradar.

Não posso deixar de pensar aqui em Fernando Meirelles e na adaptação que fez de Ensaio Sobre a Cegueira (José Saramago, 1995). Optando pela fidelidade a um dos livros mais impressionantes que eu já li, foi ignorado, injustamente, nas bilheterias de vários países do mundo. Às pressas, produtores e diretor fizeram o possível para atrair o público aos cinemas. Perda de tempo. O filme Ensaio Sobre a Cegueira foi perseguido até por quem não o havia visto. E nem poderia fazê-lo.

A terceira forma de adaptar um texto para o cinema é o letras mortas. Nesta modalidade, preserva-se o mínimo indispensável para que o público o reconheça enquanto uma adaptação cinematográfica de um livro. O resto ignora-se, até segunda ordem. Não há exemplo melhor que a franquia 007 para ilustrar. Concebido por Ian Fleming, o agente britânico com licença para matar adquiriu vida própria no cinema. Com 22 filmes oficiais e um não-oficial já lançados nas telas, a série é uma das mais bem sucedidas na história da sétima arte. Afinal, seu nome é Bond, James Bond.

Abaixo, apresento três obras-primas da literatura de língua portuguesa que foram convertidas em três obras-primas do cinema brasileiro. Em minha opinião, claro:
1 - Vidas Secas (Graciliano Ramos, 1938)
1' - Vidas Secas (Nelson Pereira dos Santos, 1963)
2 - A Hora da Estrela (Clarice Lispector, 1977)
2' - A Hora da Estrela (Suzana Amaral, 1985)
3 - Ensaio Sobre a Cegueira (José Saramago, 1995)
3' - Ensaio Sobre a Cegueira (Fernando Meirelles, 2008)

Tempo, Tempo, Mano Amigo (?)

Ah, o tempo... Coisinha cruel ele pode ser, não é mesmo?

Veja-se o caso da música pop. Quantos resistem ao teste do tempo? Quantos permanecem populares, rentáveis (sim, porque no nosso mundo, artista é uma mercadoria e tem que trazer juros e dividendos para suas respectivas gravadoras se quiser continuar no ramo) ou, pior de tudo, quantos conseguem manter a criatividade e a inventividade? Poucos, bem poucos.

Para cada Madonna surgida no universo, existe uma centena de "fracassadas" como Cyndi Lauper, Paula Abdul, Tony Basil, Martika, Sonia, Spice Girls, Bangles e tantas outras, que levaria uma eternidade para citar uma ínfima parte.

O mundo pop é o reino da descartabilidade e o tempo se encarrega de jogar no lixo quem não tem competência para se estabelecer.

O caso de Cyndi Lauper para mim é exemplar. Na primeira metade da década de 80, Cyndi surgiu no mercado americano com um verdadeiro furacão. No olho do monstro, rodava a mil por hora o inacreditável She's So Unusual, um disco tão bom que não poderia mesmo ter uma carreira diferente: 5 músicas nas paradas de sucesso, entre elas Time After Time, uma pequena maravilha igualmente reverenciada por público, críticos e músicos (há quase 100 versões para a canção).

O sucesso do primeiro disco de Cyndi foi tão grande que ela se tornou a única artista feminina capaz de rivalizar com outra estrela ascendente: Madonna.

Lançado em 1984, Like a Virgin, fez de Madonna um fenômeno mundial e deu a arrancada de uma carreira que, com mais altos que baixos, permanece firme e forte. E a loira ambiciosa continua lotando estádios, vendendo discos e atraindo admiradores de idades e culturas diferentes.

Enquanto Madonna descobria e reinventava a fórmula do sucesso, Cyndi Lauper ficava no meio do caminho.

Supostamente, Lauper deveria ter tido uma carreira muito mais duradoura que sua ex-rival. Ela sempre cantou muito melhor. Disso não há dúvidas. Além disso, era carismática e simpática, e tinha grande presença de palco.

Mas, o que dizer do sucessor de She's So Unusual?

True Colors é um disco que, contrariamente ao que anuncia seu título, carece de cores. A melhor música do álbum é uma regravação do clássico de Marvin Gaye, What's Going On. O resto é dispensável.

Mas o pior estava por vir. Nos anos seguintes, Cyndi foi se tornando uma pálida amostra da artista original e empolgante do início dos anos 80.

Acho que hoje, deve ser muito difícil encontrar uma garota ou garoto que já tenha ouvido falar de La Lauper, mas se perguntarmos sobre Madonna, acho difícil ouvir uma negativa.

O fato é que esse é apenas um caso em milhares.

Dos grandes artistas que fizeram a minha infância e adolescência mais felizes na década de 80, pouquíssimos envelheceram, digamos, com dignidade. Bruce Springsteen? Com certeza! Phil Collins? Podre de rico, super bem-sucedido, mas um verdadeiro burocrata da música. Sting? Virou um tremendo de um mala. U2? Outro fenômeno de popularidade e aprovação crítica. Bon Jovi? Ai, meu Deus, alguém pode pedir para ele se aposentar? Michael Jackson? Não vou falar mal de quem já foi desta, mas todo mundo sabe que ele não lançava nada decente desde Bad, de 1987. Prince? Um dos mais surpreendentes músicos pop de todos os tempos, acabou se perdendo entre excentricidades, frescuras e discos cada vez piores.

Falar é fácil, eu sei. Gravar discos de qualidade década após década é uma mágica que parece ter sido descoberta por bem poucos.

Ou, na verdade, a lógica do mercado seja esta mesmo.

Afinal, se todo mundo tivesse se mantido em forma esse tempo todo, não teria sobrado espaço para o surgimento de Nirvana, Bjork, Pearl Jam, Blur, Oasis, Radiohead etc.

quarta-feira, 26 de agosto de 2009

Verso Encantado

Sua incompreensão já é demais
nunca vi alguém tão incapaz
de compreender
que meu amor é bem maior que tudo
que existe
mas sua estupidez não lhe deixa ver
que eu te amo.


Sua Estupidez. Composição de Roberto e Erasmo Carlos, primeira gravação com Roberto Carlos, em disco de 1969.


Citação retirada do olhar panorâmico (olharpanoramico.blogspot.com).

Livro de Cabeceira

Quem gosta de música pop e rock e quer conhecer a fundo todas as vertentes e movimentos nos quais eles se desmembraram, tem que dar, ao menos, uma folheada na “bíblia” 1001 Discos para se ouvir antes de morrer (1001 Albums - You Must Hear Before You Die, Robert Dimery, Universe Publisher).

Organizado por décadas, o livro inicia-se nos anos 50 com Frank Sinatra, e vai até 2005 com The White Stripes, ou seja, o material coberto é longo e detalhado, mas nunca cansativo.

Obviamente que, como toda lista, pode desagradar muita gente.

Eu sinto falta, por exemplo, de In My Tribe (10,000 Maniacs), Hunkpapa (Throwing Muses), Mainstream (Lloyd Cole And The Commotions), New York (Lou Reed) e muitos outros discos bastante queridos, mas acho que este tipo de livro deve ser tomado mais como um guia, uma espécie de farol para iniciantes e sedentos de novas experiências musicais, do que como obra que esgota o assunto.

Neste sentido, 1001 Discos é perfeito: textos claros, belas fotografias, projeto gráfico de extremo bom-gosto, informações enxutas e acessíveis e, por fim, o livro tem a suprema sabedoria de analisar cada álbum dentro do seu próprio gênero.

Dessa forma, encontra-se aqui tanto um Baby One More Time (Britney Spears), como um Hot Rats (Frank Zappa).

terça-feira, 25 de agosto de 2009

Mais Arte

A partir desta semana, o Vitrola Encantada passará a contar com o auxílio luxuoso de um queridíssimo amigo, cinéfilo inveterado, apreciador de músicas tristes e, sobretudo, eterno apaixonado pelo poder transformador da arte em nossas vidas.

Como acho que ele está infinitamente mais gabaritado para falar sobre cinema do que eu, fiz o convite e, surpresa, ele aceitou.

Então, desfrutem do imenso conhecimento cinematográfico de Lázaro Luis Lucas ("L ao cubo", como dizia uma professora que a gente teve lá pelos idos de 1984...).

Música e Cinema

Por Lázaro Luis Lucas


Quando recebi o convite para participar do blogue Vitrola Encantada, no último domingo, 23 de agosto de 2009, minha vontade inicial foi de recusar imediatamente a oferta.

Não sou jornalista, não me sinto íntimo das palavras - em particular, escrevendo-as -, e não entendo coisa alguma de música.

No entanto, toda a conversa foi bastante clara. A ideia era que eu escrevesse sobre cinema e não música.

Só faltava, então, vencer a barreira que me separava, ou melhor, ainda separa, das palavras.

Confesso ser muito difícil para mim transformar em texto as inúmeras informações que me vêm à mente. E são muitas, podem acreditar.

Desde já, desejo expressar a quem se interessar em ler minhas divagações sobre a sétima arte, que não é minha intenção fazer aqui o trabalho de crítico de cinema. Para tanto, já temos uma meia dúzia de excelentes profissionais no Brasil, sendo o jornalista Inácio Araújo o meu preferido.

O que espero com a minha passagem por aqui, é dividir com todos os seguidores do Vitrola Encantada minhas experiências com o cinema e obter deles o mesmo.

Pois bem, após esta apresentação um tanto quanto desengonçada, me restava escolher o tema para a minha primeira postagem.

Após um bom par horas pensando sobre o assunto, decidi que o ideal, para uma estreia em um blogue de música, "falando" sobre cinema, seria postar sobre música de cinema. Mas precisamente sobre os temas musicais de alguns filmes. Não suas trilhas sonoras.

Descobri os filmes em tela grande aos sete anos de idade, no ano de 1978, na cidade de Araguari, no estado de Minas Gerais, no extinto Cine Rex.

A dúvida que irá me perseguir até o fim da vida é com qual filme iniciei essa relação de amor com o cinema. Quero acreditar que tenha sido com Orca - A Baleia Assassina (1977); e simplesmente porque desde que o vi jamais pude - nem quis - apagar da minha memória a música tema composta por Ennio Morricone, We Are One, interpretada por Carol Connors.

O poder exercido por essa composição sobre mim é tamanho que, ainda hoje, mais de 30 anos depois, ao ouví-la, imediatamente sou transportado àquele dia, àquele cinema, àquela hora mágica que jamais se perderão de mim.

Mesmo quando nos falta o nome do filme, do diretor, do elenco e até mesmo do compositor da trilha sonora, basta colocar "aquela" música para que tudo novamente adquira vida em nossa lembrança.

Quem, em todo o planeta Terra, fã de cinema, não se recorda de ... E o Vento Levou, por Max Steiner, Psicose, por Bernard Hermann e Era Uma Vez no Oeste, por Ennio Morricone. Blade Runner - O Caçador de Andróides seria a obra-prima que é, sem Vangelis? Eu não me arriscaria a dizer que sim.

E são tantos compositores. Temos os premiadíssimos como John Williams (E.T. - O Extraterrestre, Tubarão, Os Caçadores da Arca Perdida, A Lista de Schindler); Francis Lai (Um Homem, Uma Mulher, Love Story - Uma História de Amor); Henry Mancini (A Pantera Cor-de-Rosa, Bonequinha de Luxo); John Barry (Entre Dois Amores, 007 Contra o Satânico Dr. No); Nino Rota (das obras de Federico Fellini, O Poderoso Chefão); Elmer Bernstein (Cabo do Medo); Zbigniew Preisner (de A Trilogia das Cores, O Jardim Secreto); Maurice Jarre (Doutor Jivago, A Filha de Ryan); Jerry Goldsmith (O Planeta dos Macacos, A Profecia, Alien - O 8º Passageiro, Gremlins); Vangelis (Blade Runner - O Caçador de Andróides, Carruagens de Fogo, 1492 - A Conquista do Paraíso); e o já citado Ennio Morricone (Por Um Punhado de Dólares, Era Uma Vez no Oeste, O Enigma do Outro Mundo).

Os cultuados, como o diretor John Carpenter (Halloween - A Noite de Terror); Riz Ortolani (Cannibal Holocaust, Cyclone - Tragédia no Mar), Harry Manfredini (Sexta-Feira 13); Brad Fiedel (O Exterminador do Futuro) e Pino Donaggio (Carrie - A Estranha, Doublê de Corpo).

E, por fim, mas não menos importantes para os fãs de cinema, compositores pouco conhecidos para os não-iniciados, como John Cacavas, responsável pela trilha sonora do filme O Expresso do Horror (1972), Daniele Patucchi (Mundo Canibal) e Stelvio Cipriani (Piranha 2 - Assassinas Voadoras).

E poderíamos, ainda, citar outros inúmeros. Mas, fico por aqui.

Meus Discos Preferidos: Cantores

1 Astral WeeksVan Morrison (1968)
Um dos discos mais inclassificáveis de todos os tempos e também um dos melhores. Morrison desconstrói a música folk, reinventando-a com fortes influências de jazz e soul. Atemporal e complexo, Astral Weeks é um disco que eu levei muito tempo para entender e gostar, mas, depois de convertido a sua sonoridade única, jamais escutei música do mesmo jeito.

2Transformer - Lou Reed (1972)
O rock visto como espaço sagrado onde transitam livremente drogados, depressivos, travestis e párias. O passeio (sem volta) pelo lado selvagem, numa Nova York fria e suja. Triste e nublado como um dia perfeito. Tão perfeito, aliás, como este disco de 1972, produzido por David Bowie para um dos seus heróis, Lou Reed, o poeta dos malditos deste mundo.

3Lust For Life - Iggy Pop (1977)
A bateria frenética da faixa-título é um daqueles instantes da mais pura genialidade e a música acabou se convertendo em ícone do mundo pop, graças ao filme Trainspotting, de Danny Boyle. Mas, há muito mais para se desfrutar neste disco delicioso, verdadeira celebração da vida vivida no limite.

4 Your ArsenalMorrissey (1992)
Confesso que não sabia bem o que esperar da carreira solo de um artista como Morrissey, alguém que eu quase venerava quando estava à frente do The Smiths. Acho que tudo ficou claro quando ele lançou este terceiro álbum de uma carreira que seria muito mais produtiva do que se poderia imaginar. Entre rocks barulhentos e baladas de partir o coração, Morrissey deixou seu passado ilustre de uma vez para trás.

5 SoPeter Gabriel (1986)
Com este disco, Peter Gabriel – que até então era mais conhecido como o ex-vocalista excêntrico do Genesis – tornou-se um artista de brilho próprio. Canções como Big Time, Don’t Give Up (um tocante dueto com Kate Bush) e Sledgehammer apresentaram ao grande público um artista imaginativo e de ricas e variadas influências.

6 The Future Leonard Cohen (1992)
Poeta, pintor e cantor de delicadas canções de inspiração folk, Cohen se renovou e chamou a atenção de uma nova geração de ouvintes com este disco de 1992. O aproveitamento de duas faixas do disco na trilha de Natural Born Killers, filme ultra-violento de Oliver Stone, foi a prova definitiva da atualidade das letras pessimistas e dos vocais cavernosos de Cohen.

7TroubleRay LaMontagne (2004)
A capa de Trouble mostra uma mulher em suave bailado com o diabo. Ilustração perfeita para a sonoridade agridoce deste trabalho de estréia do cultuado LaMontagne, em que amor e desespero caminham lado a lado.

8 All Things Must PassGeorge Harrison (1970)
Considerado por muita gente o melhor trabalho já lançado por um ex-Beatle (opinião que eu compartilho enfaticamente), este foi o disco em que Harrison pode finalmente dar asas a sua criatividade, longe das amarras impostas pela dupla Lennon/McCartney. Ambicioso, orquestral, espiritual e emocionante, é, sem dúvida, uma das obras-primas da década de 70.

9 Raising SandRobert Plant & Alison Krauss (2007)
Gravado ao lado da cantora de bluegrass Alison Krauss, Raising Sand é a melhor realização da carreira solo de Plant. Com uma sonoridade suave (graças à produção esmerada de T. Bone Burnett), que se encaixa melhor ao registro limitado do Plant maduro, Raising Sand encanta pelo entrosamento impecável entre dois artistas de estilo aparentemente opostos.

10 -My Aim is True - Elvis Costello (1977)
As doze canções que compõem este primeiro trabalho de Costello são um retrato irretocável de um artista com poucos recursos técnicos a disposição, mas com um verdadeiro arsenal de boas ideias borbulhando na cabeça. Curto e direto, My Aim Is True - título retirado da letra da bela Alison - é o mais puro cruzamento entre a inocência dos anos 50 com a crueza do punk dos 70.

sexta-feira, 21 de agosto de 2009

O Reinado da Imagem

Sou um apaixonado de longa data pela arte de se fazer vídeos musicais, ou, como são conhecidos aqui no Brasil, vídeo-clipes.

Surgidos ainda na década de 60, quando os artistas eram normalmente filmados num palco e pouco mais era acrescentado, os vídeos ganharam status artístico na década de 80, época na qual artistas como Michael Jackson, Madonna, Prince e Duran Duran atingiram a estratosfera, em grande parte graças ao poder de peças promocionais como Thriller (um curta-metragem que uniu cinema, música e dança de uma forma nunca antes vista), Like a Prayer (o vídeo que mostrou o potencial de polêmica do novo veículo) e Save a Prayer (peça do exibicionismo característico da década).

A partir daí, tudo se tornou possível, desde vídeos com pretensões cinematográficas até aqueles filmados em fundo de quintal, de baixíssimo orçamento.

Nos Estados Unidos, muitos realizadores que hoje dirigem filmes de sucesso, começaram trabalhando em vídeos musicais.

Alguns dos mais geniais dos últimos tempos, para mim, são vídeos que subvertem a linguagem altamente estilizada e, às vezes, pretensiosa, que se tornou marca registrada de muita gente.

O melhor exemplo é Praise You, do músico e DJ inglês Fatboy Slim e dirigido por Spike Jonze, que depois se consagraria em Hollywood, com películas como Quero Ser John Malcovitch e Adaptação.

Neste vídeo, o diretor aparece junto a um grupo de “dançarinos” executando uma coreografia surrealista de tão ruim em meio a passantes, que formam fila em frente a um cinema.

Aparentemente, Jonze e sua trupe filmaram tudo no próprio local e, o mais legal do vídeo, é ver a reação de incredulidade de grande parte do público. Fantástico.

Falando em Fantástico, quem não se lembra dos antológicos vídeos produzidos pela Rede Globo para exibição no programa de domingo à noite? De tão toscos e amadores, se tornaram clássicos.

Artistas tão diversos quanto Paralamas do Sucesso, Rosana, RPM e Gal Costa pagaram micos inesquecíveis, envolvidos em muito gelo seco, maquiagem bizarra e as coreografias impagáveis do indefectível balé do Fantástico. Só vendo para crer.

Hoje, qualquer vídeo pode ser facilmente localizado no You Tube (Deus o abençoe), e a linguagem continua a crescer e a fascinar.

Quem duvida que acesse o vídeo de Boom Boom Pow do Black Eyed Peas, e se deixe levar pelo incrível trabalho de computação gráfica de última geração.

Alguns vídeos imperdíveis:
1FreedomGeorge Michael
2 VogueMadonna
3 New York New YorkMoby
4 Hurt Johnny Cash
5Everybody HurtsR.E.M.
6SledgehammerPeter Gabriel
7 Beat ItMichael Jackson
8 NotoriousDuran Duran
9Money For NothingDire Straits
10Feed BackJanet Jackson

terça-feira, 18 de agosto de 2009

Capas Clássicas

Quando Rita Lee lançou seu nono disco como artista solo, em 1980, ela certamente não imaginava que iria colocar o Brasil inteiro aos seus pés.

Das oito faixas do álbum, cinco tocaram exaustivamente nas rádios brasileiras e Rita se viu, da noite para o dia, transformada de roqueira maldita em musa pop.

Outras mulheres já haviam atingido o topo das paradas nacionais, mas sempre no sisudo reino da MPB. Ninguém com origens no rock, como era o caso de Rita, havia chegado tão alto. Pode-se dizer, sem sombra de dúvida, que toda a cena pop-rock surgida nos anos subseqüentes deve o corpo e a alma a este disco histórico.

Popular, divertido e leve, Lança Perfume (como o disco ficou conhecido na época) apontou para as grandes possibilidades comerciais do rock nacional e se inscreveu no inconsciente coletivo, tanto por suas canções quanto por sua capa lindíssima.

Fotografada em meio a uma bruma de tons dourados e avermelhados, Rita aparece com uma roupa que se tornaria sua marca registrada naquele ano. O cabelo esvoaçante reforça uma beleza que parecia recém-descoberta e enfatiza um aspecto de irrealidade e indefinição (o que é, afinal, o cenário atrás de Rita? Um papel de parede rasgado? Um esboço do mapa do Brasil?).

Nos anos subsequentes, Rita Lee assumiu definitivamente seu posto no primeiro time da música brasileira. O ápice artístico, no entanto, já havia sido alcançado e, diga-se, jamais seria igualado.

E nenhuma outra capa seria tão bela, intrigante e inesquecível.

Faixas:
Lado 1:
Lança Perfume
Bem Me Quer
Baila Comigo
Shangrilá

Lado 2:
Caso Sério
Nem Luxo Nem Lixo
João Ninguém
Ôrra Meu

Blog

A prática do blog levou muitas pessoas que antes pouco ou nada escreviam a escrever. Pena que muitas delas pensem que não vale a pena preocupar-se com a qualidade do que se escreve.
José Saramago, escritor português

domingo, 16 de agosto de 2009

Bardo Moderno

Impressiona-me bastante, nos últimos tempos, a longevidade de determinados artistas, que já entram na casa dos 70 anos de idade. Neil Young, Bob Dylan, Mick e Keith, Paul McCartney, Elton John, todos têm lançado discos cada vez mais interessantes, complexos e, sobretudo, prazerosos de se ouvir.

Veja-se o caso de Bob Dylan. Quase cinco décadas de carreira nas costas, alguns dos mais importantes álbuns da história da música popular, uma penca de canções regravadas incessantemente por gerações de novos músicos, uma entresafra medíocre nos anos 80 e, de repente, o bardo ressurge das cinzas com quatro(!) discos brilhantes, que não deixam nada a dever ao melhor de sua produção nos anos 60 e 70.

Time Out Of Mind (1997), Love And Theft (2001), Modern Times (2006) e Together Through Life (2009) são obras de uma maturidade artística que vem com o verniz da idade, da experiência e de uma vivência de quem atravessou os últimos quarenta anos como um verdadeiro ícone do imáginário norte-americano, mas não deixou de viver intensamente.

No filme Não Estou Lá, do cineasta Tod Haynes, o mito é desconstruído e transformado em 5 personagens diferentes, cada um interpretado por um ator (a excepcional Cate Blanchet faz um Bob acossado pela imprensa, justamente em sua fase de transição do folk para o blues eletrificado, talvez seu momento mais criativo e revolucionário). É um filme sob muitos aspectos de difícil entendimento para não iniciados no universo dilaniano, mas seu brilho está na compreensão de que todo grande artista na verdade são vários. É na subversão da típica cinebiografia, que Haynes consegue um retrato mais vívido e apaixonante do homem, muito além da mera glorificação da lenda.

Ouvir Dylan hoje é como uma deliciosa confirmação de que a criatividade e o poder de tocar por meio da arte não são uma fagulha que surge na juventude e se apaga com o fim da mesma.

Assim como Picasso, que foi inquieto e provocador até o fim da vida, Dylan prova a cada novo disco que rock é também música de senhores de cabelos grisalhos e vozes roucas.

Um exemplo para os Robertos, Gilbertos e Caetanos da vida...

quinta-feira, 13 de agosto de 2009

Um Fabuloso no Cerrado

Anda-se falando que o ex-Beatle Paul McCartney virá a Brasília para um show em comemoração aos 50 anos da cidade. Só vendo para crer.

Nestes meus trinta e cinco anos vivendo na Capital Federal, tive que amargar o gosto de se morar num lugar que, como diria o Engenheiros do Hawai, fica longe demais das verdadeiras capitais.

É claro que entendo a logística que torna praticamente impossível trazer nomes internacionais a Brasília, mas, ao mesmo tempo, sinto que a cidade tem um público sedento por cultura e artes, em geral. Não explorar esse potencial é típico da falta de visão do empresariado nacional.

Lembro-me bem que quando o camaleão David Bowie esteve no Brasil (quando foi mesmo? Acho que início da década de 90, mas não estou bem certo...), nosso alienígena mais querido declarou em entrevistas que é grande fã do arquiteto Oscar Niemeyer, e que desejava conhecer tantas obras quanto possível do autor de todos os prédios importantes de Brasília.

Ninguém ouviu ou, então, se fingiram de bobos. Bowie poderia ter vindo à capital, visitado a Catedral Metropolitana – considerada uma das obras-primas de Niemeyer –, e depois cantado umas musiquinhas para os brasilienses. Nada mau, mas, como sempre, ficamos a ver navios.

Na última visita do U2 ao Brasil, o vocalista Bono veio especialmente a Brasília para uma audiência com o presidente Lula. Não podia ter ficado e ter feito um belo show para os milhares de brasilienses fanáticos pelos irlandeses?

No mínimo teria evitado a migração, em ônibus fretados para São Paulo, de frustrados como eu, que saí de Brasília numa terça-feira, passei a noite na estrada, fui para a fila do Morumbi às 11 da manhã da quarta-feira, assisti ao show, fui para o ônibus, passei outra noite na estrada e ainda tive que trabalhar no dia seguinte.

Valeu? Muito. Posso dizer, sem sombras de dúvidas, que foi o melhor show da minha vida.
Mas que teria sido bem melhor evitar todo esse sacrifício, disso também não tenho a menor dúvida.

É por isso que sempre fico com muita desconfiança dessas notícias bombásticas de mega-astros como McCartney tocando por aqui.

Obviamente que se for verdade, há uma grande chance de eu finalmente ver algo que possa superar a magia criada por Bono e seus companheiros em cena.

Tomara...

segunda-feira, 10 de agosto de 2009

Da Lama ao Cosmos

Comemoram-se neste mês de agosto os 40 anos da realização do lendário Festival de Woodstock.

Quando comparado com os festivais atuais, em que a organização e a variedade de programação são cada vez maiores, Woodstock parece um enorme programa de índio. Durante três dias de agosto de 1969, milhares de jovens invadiram uma bucólica região do estado de Nova York e celebraram os ideais de vida comunal, sexo livre e experiências com drogas que caracterizaram o auge da cultura hippie. Tudo em meio a muita lama, falta de comida e de banheiros, e uma infra-estrutura tão precária que realmente parece um milagre que a coisa toda não tenha resvalado para a total baderna.

No palco, uma verdadeira constelação de grandes nomes da época, como Jimi Hendrix, Joe Cocker, The Who, Crosby, Stills And Nash e Janis Joplin, misturava-se com outros que ficaram um pouco perdidos em meio à poeira púrpura daqueles anos lisérgicos.

Woodstock não foi o primeiro grande festival de rock, mas sua lenda e a enorme mitologia fundada em torno daqueles chuvosos dias permanecem intactas.

Em homenagem aos hippies e tudo de bom que eles nos legaram em termos de música, preparei uma pequena seleção de clássicos psicodélicos, não apenas os grandes discos da era psicodélica original (que vai de 1966 a 1970), mas também aqueles que beberam diretamente da fonte e mantiveram a chama caleidoscópica dos mágicos anos 60 acesa:

1Axis: Bold As Love. Jimi Hendrix.
A imagem mais marcante de Woodstock ainda é a de Jimi estraçalhando o hino americano, um momento que certamente entrou para a história como um dos símbolos de uma geração contestadora e inquieta.

2Nuggets. Vários.
Esta caixa com quatro cd’s reúne um número imenso de bandas de garagem que, em sua maior parte, caíram no esquecimento. Toscas, simples e muito alucinadas, elas representam o lado mais sujo da psicodelia americana. Grandes músicas, grande diversão.

3Surrealistic Pillow. Jefferson Airplane.
Este disco tem nos vocais de Grace Slick, a cereja de seu bolo já bastante confeitado. Na canção White Rabbit, Slick desconstrói a história clássica de Alice no País das Maravilhas e a transforma numa ode ao uso de substâncias um tanto quanto suspeitas. Genial.

4 If You Can’t Believe Your Eyes And Ears. The Mamas And The Papas.
Musicalmente é um álbum sem maiores vôos artísticos, mas as mamães e os papais gravaram aqui uma das canções mais emblemáticas do rock movido a drogas, California Dreaming. Por trás das doces melodias do grupo, está a história engraçada do moço que se refugia numa igreja para curtir sua viagem em paz.

5Yoshime Battles The Pink Robbots. The Flaming Lips.
Um dos grupos que melhor souberam atualizar o rock psicodélico, o Flaming Lips faz música doidona para modernos e sensíveis. Tudo muito viajante, mas também muito tocante.

6Sgt. Pepper’s Lonely Hearts Club Band. The Beatles.
Quando os 4 fabulosos descobriram as possibilidades criativas do uso de drogas, o mundo nunca mais foi o mesmo. Sgt. Pepper não é a primeira piração deles, mas é seu disco mais influente e, até hoje, apontado como o melhor de todos os tempos. Quem não concorda que ouça a orquestral A Day In The Life e tente argumentar contra.

7When I Was Born For The 7th Time. Cornershop.
Uma coisa que a geração psicodélica fez com grande propriedade foi borrar as fronteiras que separavam gêneros musicais, aproximando ocidente e oriente, música branca e música negra, etc. Este disco de 1997, incorpora elementos de música indiana, numa bela fusão de dance, pop e indie, com instrumentos exóticos e letras que celebram o amor e a tolerância. Mais anos 60, impossível.

8 Cosmotron. Skank.
O Brasil não poderia ficar de fora do culto psicodélico. Este disco marca definitivamente o namoro do grupo mineiro que o rock inglês e os sons da década de 60. Criativo e musicalmente rico, faz esquecer que um dia o Skank gravou bobagens como Jack Tequila.

9 The Coral. The Coral.
O primeiro disco desta banda de Liverpool uniu de maneira mais que competente o rock psicodélico com o peso e a ironia típicos dos tempos atuais. Não fizeram mais nada que preste depois disso, mas deixaram sua marca em canções como The Spanish Main, Simon Diamond e Goodbye.

10The Primitives. The Primitives.
Quando o The Primitives lançou este disco no final dos anos 80, parecia que finalmente um grupo tinha ressuscitado a estética dos anos 60, no que ela tinha de mais grudenta, assoviável e barulhenta. Tudo embalado pelos vocais super-doces de Tracy Tracy, que juntava numa mesma interpretação a leveza dos Beach Boys com a sujeira do Velvet Underground. Pena que durou tão pouco...

sábado, 8 de agosto de 2009

O Segundo Sexo

Houve um tempo em que mulher no rock era tão raro como encontrar político honesto no Brasil.

Pioneiras como Janis Joplin e Grace Slick, do Jefferson Airplane, tiveram que esperar quase 3 décadas para ver suas sementes finalmente germinando.

Aqui e acolá apareciam loucas iluminadas pelos deuses do rock, mas, misteriosamente, essas aparições eram isoladas.

O movimento punk, com seu ideário de quebra de todas as regras estabelecidas, parecia escancarar as portas para a mulherada, mas, com honrosas exceções, o rock continuou dominado pela estética branca e masculina de sempre.

Graças à fantástica ampliação dos mercados musicais no mundo inteiro, os anos 90 viram uma explosão da música feita por mulheres. E elas chegaram com uma raiva e uma criatividade que, certamente, mudaram definitivamente a cara do rock e da música pop universais.

O grande barato desta geração surgida na década de 90, é que as garotas assumiram o controle total de todo o processo criativo, desde a composição até a execução das próprias canções e gerenciamento de suas carreiras. Nada da dependência nefasta de homens que muitas vezes só sugavam, sem oferecer muito em troca (não consigo deixar de pensar aqui em Tina Turner, que, dona de um talento impressionante, se submeteu, durante anos, à ditadura imposta pelo marido e companheiro de palcos e estúdios, Ike Turner).

Dessa turma que está mandando e desmandando no cenário atual, sou particularmente fã de Chan Marshall, que sob o nome Cat Power, tem encantado e seduzido ouvintes por onde passa. Marshall evoluiu de uma típica cantora de banda alternativa, no início de vida profissional, para uma crooner que deixa uma marca profundamente pessoal em tudo que canta. É só ouvir a versão arrasadora da moça para o clássico do cancioneiro americano, New York New York (aquela eternizada por Frank Sinatra), para entender todo o poder da gata.

Outra que acho hipnotizante é Regina Spektor, russa criada nos Estados Unidos, e dona de uma belíssima voz. Quase todas as canções de Spektor são levadas ao piano - influência direta de Tori Amos, cantora de grande força dramática que colocou problemáticas tipicamente femininas no pop americano do início da década passada - e não é raro que inclua até mesmo versos em russo em suas maravilhosas canções. Seu novo disco, Far, mantém a qualidade e confirma Spektor como uma das cantautoras mais promissoras da atualidade.

Tenho acompanhado com grande interesse, também, a carreira da inglesa Natasha Khan que, por trás do nome Bat For Lashes, gravou dois belíssimos trabalhos - Fur And Gold e Two Suns. Natasha é uma herdeira direta dos experimentalismos musicais da islandesa Bjork. Aliás, Bjork segue ativa, influente e atual e sua musicalidade original e personalíssima permanece uma das referências mais importantes da cena contemporânea.

Poderia ficar horas escrevendo sobre essas mulheres incríveis e seus discos extraordinários, mas o meu ponto é apenas reafirmar o óbvio: foi-se o tempo em que uma garota segurando uma guitarra e gritando ao microfone era uma espécie de aberração.

Hoje, elas não apenas vão à luta, como também determinam os rumos que a música do novo milênio vai seguir.

terça-feira, 4 de agosto de 2009

Mil e Uma Noites no Cinema

Recebi recentemente um texto retirado do blog do escritor português José Saramago (http://caderno.josesaramago.org/), no qual ele discorre brevemente sobre os filmes que mais marcaram sua vida.

Sempre que vejo uma lista ou um texto desse tipo, fico tentando reduzir toda minha experiência como amante da sétima arte a uns 10 ou 15 filmes. Tarefa inglória. Não sei direito o número de filmes que já assisti, mas imagino que seja uma quantidade imensa.

Quando era adolescente, costumava ficar até às 2, 3 horas da madrugada acompanhando filmes antigos na Globo. Quem tem entre 30 e 50 anos deve se lembrar bem de nomes como Coruja Colorida, Primeira Exibição e Sessão de Gala, espaços nos quais a Globo exibia não apenas filmes inéditos mas também grandes clássicos do cinema americano.

Outro grande responsável pela minha formação como cinéfilo foi o Cine Brasília, palco do Festival de Brasília do Cinema Brasileiro e, até meados da década de 90, um dos poucos lugares na cidade para se assistir filmes europeus e obras antigas restauradas.

Existia também o cineminha da Cultura Inglesa, que tinha uma infra-estrutura bem menor mas contava com uma programação deliciosa.

Quantas maravilhas se revelaram para mim nestas duas telas sagradas... Cidadão Kane, Teorema, Asas do Desejo, Ladrões de Bicicleta, Caro Diário, Não Matarás, Jules e Jim, Sindicato de Ladrões, Blade Runner, Adeus Meninos, Entrevista, enfim, a lista é gigante.

Hoje, o auditório da Cultura foi desativado e o Cine Brasília encontra-se jogado às traças, vítima de um descaso criminoso da Secretaria de Cultura do Distrito Federal. Uma pena.

De qualquer maneira, a lista que se segue é apenas uma débil tentativa de encontrar cinco filmes que sejam, digamos assim, a minha cara:

1 - Noites de Cabíria (Itália, 1957)
Porque Cabíria é o personagem mais cativante e inesquecível da história do cinema. E porque Fellini sabia como ninguém retratar esses tipos patéticos, doces e ingênuos, dos quais a puta magnificamente interpretada por Giulietta Masina é o mais perfeito exemplo.

2 - Crepúsculo dos Deuses (EUA, 1950)
Porque é o melhor filme para se entender a fábrica perversa de sonhos que é Hollywood. E porque a diva Gloria Swanson está imbatível como a louca atriz que acredita que pode voltar a brilhar.

3 - A Malvada (EUA, 1950)
Porque é o filme que melhor retrata a mesquinhez humana, a inveja e o medo do esquecimento. E porque Bette Davis carrega um mundo de sentimentos num simples acender de cigarro.

4 -Persona (Suécia, 1966)
Porque é um filme enigmático, hermético e difícil e, ainda assim, fascinante. E porque sua fotografia em preto-e-branco é uma das mais deslumbrantes que existem.

5 - Tudo Sobre Minha Mãe (Espanha, 1999)
Porque Almodóvar faz uma tocante homenagem a um gênero de cinema que eu amo, o melodrama, sem cair em seus habituais exageros. E porque o elenco feminino é capaz de nos levar às lágrimas e ao riso com igual maestria.

segunda-feira, 3 de agosto de 2009

Vitrola Vai às Compras

Diz um amigo meu que as únicas coisas que realmente me empolgam são música e viagens. Não é verdade.

Adoro um bom cinema (confesso que já gostei mais), estou sempre agarrado com um livro (acabei de ler mais um policial de Simenon, autor que eu acho brilhante), não dispenso um bom papo com meus poucos, mas queridíssimos, amigos e sei que a vida é amarga na grande maioria das vezes (principalmente se a gente tem a má sina de ter nascido brasileiro), mas está aí é para ser vivida, mesmo.

No entanto, não posso deixar de admitir que a música virou muito mais que um hobbie e que vivo planejando viagens, que compro guias de cidades que não sei quando conhecerei e que visitar lugares novos é, para mim, como rejuvenescer um pouquinho.

Quando consigo unir discos com viagens, é aí que o louco fica lunático de vez.

Estive nestes últimos dias entre o Rio e São Paulo, e trouxe na bagagem 28 bolachões e 25 bolachinhas. Aliás, como é trabalhoso transportar vinil, pessoal. Os desgraçados pesam horrores e eu fico na neura de que vão quebrar, empenar ou amassar. Em suma, um pesadelo. Os cd's, coitadinhos, vão enfiados na mala e seja o que Deus quiser. Felizmente nunca perdi nada. Já voltei de uma viagem a Portugal com quase 70 disquinhos imprensados entre roupas sujas e outras quinquilharias.

De qualquer maneira, como novamente observa o amigo do início do texto, o sucesso de uma viagem minha é medido pela quantidade de achados em sebos e lojas de discos. São Paulo, nesse sentido, é imbatível. Desde os pugueiros do centro até a careira Livraria Cultura, há descobertas fantásticas para todas as preferências.

Gosto, sobretudo, das lojas da Galeria Presidente, na Rua 24 de Maio, lugar ideal para se encontrar cd's novos de artistas independentes e alternativos. Na mesma rua, no número 188, subindo ao primeiro andar, a gente se depara com uma série impressionante de sebos. Um fanático pode tranquilamente passar o dia inteiro revirando velharias, enchendo as mãos e os pulmões de ácaros e torrando, feliz da vida, as economias do ano todo. Não dá para esperar grande simpatia dos vendedores, mas em termos musicais, é difícil não se satisfazer.

Outra boa dica para encontrar raridades e pechinchas é a Feira de Antiguidades da Praça Benedito Calixto. É possível, inclusive, comprar uma vitrolinha esperta para rodar os poderosos negões em qualquer lugar (isto se você tiver a paciência e a habilidade para barganhar com os feirantes, porque os valores não são os mais honestos...).

No Rio, confesso que fiquei meio perdido. Devia ter pedido umas dicas para a galera carioca que frequenta o Vitrola Encantada, mas a verdade é que fujo de computador em férias como o coisa ruim da cruz.

Ainda assim, me esbaldei na Baratos da Ribeiro e no sebo da Modern Sound (cheio de discos em excelente estado por razoáveis 10 reais).

No mais, muita chuva, metrô transbordando, gente apressada, gente dormindo na rua num frio desgraçado, comida boa e cara, o Museu de Arte Sacra de São Paulo e o de Arte Moderna do Rio de Janeiro, a descida inesquecível no Aeroporto Santos Dumont, o filme francês Bem-Vindo na Rua Augusta, o táxi baratinho na Cidade Maravilhosa, o café expresso na Casa Cavé, o almoço na Confeitaria Colombo, enfim, pequenas coisas que, juntas, me tornam um tanto mais vivo e, quem sabe, mais feliz.