domingo, 11 de julho de 2010

Música e Cinema - O Lado "B"

Por Lázaro Luis Lucas
Muito antes mesmo de ter acesso a uma cópia de Cannibal Holocaust, lançado há alguns meses atrás no Brasil pela Platina Filmes, pude, por meios ilícitos, ouvir a maravilhosa trillha sonora composta pelo italiano Riz Ortolani para o longa-metragem do diretor Ruggero Deodato, de 1980. Os dois trabalhariam ainda juntos naquele mesmo ano em La Casa Sperduta Nel Parco - em inglês House On The Edge Of The Park.
E é exatamente em razão do lançamento da obra máxima de um cineasta tão desinteressante quanto reverenciado por críticos e cinéfilos de todo o mundo, que apresento-me aqui diante dos leitores do Vitrola Encantada para expressar a minha paixão pela composição de Riz Ortolani para o filme Cannibal Holocaust.
Antes de tudo, porém, quero deixar bem claro que não tenho nenhum tipo de formação musical. Sou apenas um apaixonado por filmes e suas trilhas sonoras, como muitos de vocês aqui.
Nascido em 1931, o compositor e regente Riziere "Riz" Ortolani iniciou sua carreira no cinema em 1962 com o pseudo-documentário Mondo Cane, dirigido por Franco Prosperi, Gualtiero Jacopetti e Paolo Cavara.
À época, o enorme sucesso da música-tema More, composta por Ortolani e Nino Oliviero e com uma nova letra, agora em inglês, escrita por Norman Newell, viabilizou sua indicação ao prêmio de Melhor Canção no Oscar de 1964. Antes porém, o filme já havia conseguido a proeza de disputar a Palma d'Ouro no 15º Festival de Cinema de Cannes, perdendo-a para O Pagador de Promessas, de Anselmo Duarte.
Bastante produtivo, Riz Ortolani colaborou com todo tipo de cineasta. Dos bagaceiras Lucio Fulci e Umberto Lenzi aos autorais Vittorio de Sica e Dino Risi. Trabalhou ainda com os acadêmicos Edward Dmytric e Lamont Johnson e com o "1001 utilidades" Damiano Damiani, cineasta, infelizmente, subestimado por críticos e fãs de cinema. A produção era tamanha, que só em 1969 foram 14 trilhas sonoras assinadas por ele.
Compôs, ainda, em 1970 a trilha internacional para o filme O Cangaceiro, de Lima Barreto. A original, é bom deixar registrado, é de Gabriel Migliori (1909-1975). Não raro, suas composições musicais superavam em qualidade as obras cinematográficas a que serviam.
Assim, em 1980, com prestígio dentro e fora da Itália, Ortolani une-se a Ruggero Deodato em duas empreitadas cinematográficas. Naquele ano, e nos anos seguintes, são lançadas em todo "mundo livre" as obras La Casa Sperduta Nel Parco e Cannibal Holocaust.
Desagrando a todo tipo de segmento social existente à época, em particular grupos ligados à defesa e à dignidade da mulher e as sociedades protetoras dos animais, ora os filmes eram reeditados ora censurados.
Em alguns países, os filmes eram retirados de cartaz e em outros nem chegavam a entrar. Decisões mais radicais os baniam de vez. Ruggero Deodato chegou, inclusive, a ver o sol nascer quadrado por conta de Cannibal Holocaust. Alguns afirmam que há, ainda hoje, algum mandado de prisão para ser cumprido contra o cineasta.
A verdade, depois de se abstrair toda a lenda urbana em torno dos filmes e de seu realizador, é que estamos diante de filmes muito ruins, mas, em particular no caso de Cannibal Holocaust, obrigatórios para todo cinéfilo de respeito.
Em Cannibal Holocaust, a inesquecível música de Riz Ortolani combinada à excelente edição de Vincenzo Tomassi e ao trabalho do fotógrafo Sergio D'Offizi faz o contraponto necessário à canastrice do elenco principal e de apoio, ao roteiro ridículo - admito que a ideia central é bastante original - e à direção pífia de Deodato.
Observe que Ruggero Deodato faz uso dos mesmos golpes baixos que o personagem Alan Yates (Gabriel Yorke), um documentarista pilantra e mau-caráter, na busca incessante por fama e fortuna.
Quanto ao trabalho de Riz Ortolani, as composições Cannibal Holocaust (Main Theme), Adulteress' Punishment - presente em um dos momentos mais desagradáveis do filme - e Crucified Woman - fundo musical para o pseudo-documentário The Last Road To Hell - não só imprimem dramaticidade aos momentos mais marcantes - em todos os sentidos - do filme como enriquecem o vasto universo das trilhas sonoras compostas originalmente para o cinema.
Uma obra-prima, sim, a música de Cannibal Holocaust.

Um comentário:

Roberto Menezes de Oliveira disse...

Bom vê-lo, digo, lê-lo por aqui de novo; seu texto nos traz sagacidade, inteligência e informações precisas.