segunda-feira, 29 de junho de 2009

Man In The Mirror

Estamos todos conectados. Estamos emaranhados. Se preferir chamar de emaranhamento quântico, tudo bem. O fato é que estamos emaranhados. E não existe separação entre nós, o que fazemos uns aos outros também atinge um aspecto do nosso eu. Nenhum de nós é inocente nesse sentido. Existe algo lá fora de que não gostamos, e não podemos virar as costas para isso porque somos co-criadores, de uma forma ou de outra. E temos que fazer o que é certo para alcançar o melhor futuro para todos. Essa é a nossa responsabilidade como co-criadores. E, no processo, seja qual for o papel que assumamos – de políticos, de teólogos, de cientistas, de médicos ou qualquer outro -, todos podemos contribuir para a vida e levá-la além, usando o máximo de nossas habilidades e fazendo o que acreditamos ser o melhor. Isso requer que meditemos profundamente sobre cada coisa. Refletir e agir, reconhecendo que os outros são nossos irmãos e irmãs, e que tudo é um assunto de família. É isso.
William Tyller.

Começo hoje com uma citação, porque ela me pareceu extremamente oportuna diante da morte, na quinta-feira passada, 25 de junho de 2009, de Michael Jackson.

Durante os últimos 15 anos, o mundo assistiu, calado, a uma imensa campanha, por parte da mídia, de destruição e anulação do imenso legado artístico desse músico genial, que iniciou-se na vida artística em uma época em que a maioria ainda está apenas brincando e estudando, e evoluiu para uma carreira-solo, a princípio brilhante e, depois, ofuscada pelas atribulações de sua vida particular.

Não pretendo fazer coro aos milhões de viúvos espalhados pelo resto do mundo. Acho e sempre achei que Michael Jackson é uma figura fundamental para se entender toda a música pop planetária feita a partir dos anos 80. Sem Off The Wall e Thriller a história da música teria sido outra. Não existiriam artistas como Beyoncé, Justin Timberlake, Rihana, Maxwell e, até mesmo, Madonna (pelo menos, não da forma como a conhecemos e admiramos).

O que me chama atenção em todo o circo que se formou após a morte precoce de Jackson, é a transformação de um semelhante em diferente, excêntrico e anormal. Parece-me que nos assusta profundamente o que existe de nós mesmos naquele homem triste e patético.

Melhor, então, transformá-lo em aberração. Melhor ressaltar as modificações assustadoras de sua aparência que lembrá-lo como o negro lindo que ele era na década de 70. Melhor trazer a tona suas dívidas monstruosas do que recordar o performer eletrizante, o cantor excepcional, o dançarino hipnotizante. Melhor pensar que ele era um doente a reconhecer que poucas pessoas resistiriam de forma saudável a um sucesso e a uma adoração maiores que a própria vida.

Ver a mesma imprensa que o massacrou e ridicularizou incessantemente, agindo como urubus em cima da podridão, não é apenas triste. É desrespeitoso com milhões de admiradores do verdadeiro Jacko.

O artista completo, único e absoluto que tornou todas as nossas vidas mais alegres entre 1979 e 1987.

Esse Michael viverá para sempre.

quinta-feira, 25 de junho de 2009

Ícones

Dizem que ele tem lábios de borracha, mas acho que, na verdade, ele é o próprio homem-borracha, rebolando exaustivamente de um lado para o outro e ricocheteando pelo palco como uma bala perdida.

Magro, feio, insignificante, ele se torna um verdadeiro gigante quando assume os vocais a frente dos Rolling Stones.

Já tentou carreira-solo. Tadinho... A turba não gosta dele sozinho.

Realmente existe uma magia em Mick Jagger que só funciona plenamente quando está ao lado de Keith Richards, Ron Wood e Charlie Watts.

Seja pedindo simpatia ao diabo, seja proclamando que tudo é apenas rock’n’roll, mas ele goooooooooosta, Jagger é a encarnação perfeita do espírito debochado e irreverente da música vinda das ruas inglesas. Afinal, na Londres sonolenta dos anos 60, o que mais um garoto rebelde podia fazer, a não ser cantar numa banda de rock?

Para descobrir o Jagger mais puro, é preciso escutar Exile On Main Street, obra-prima dos Rolling Stones, lançada em 1972, originalmente um álbum duplo, e um dos melhores discos de todos os tempos. Blues, country, soul e rock disparados como uma metralhadora giratória. E Mick Jagger extraindo de suas cordas vocais seu desempenho mais visceral e furioso.

quarta-feira, 24 de junho de 2009

Meus Discos Preferidos: Ao Vivo

Alive!Kiss (1975)
Não é de se admirar que um dos melhores discos ao vivo de todos os tempos seja justamente de uma banda que fez sua fama nos palcos. O Kiss era pura adrenalina ao vivo, um espetáculo que envolvia fogo, fumaça, guitarristas voadores e um baixista que vomitava sangue. Mau gosto? Pode ser, mas nos anos 70 essa receita colocou o Kiss no topo do mundo e Alive! foi seu cartão de visitas. Uma verdadeira paulada!

Get Yer Ya-Ya’s OutThe Rolling Stones (1970)
Gravado durante dois concertos no Madison Square Garden, em Nova Iorque , este disco representa o ápice dos Rolling Stones no final da década de 60 e é o registro definitivo da banda sobre um palco. Todos os outros ao vivo dos Stones são burocráticos e desnecessários, mas aqui eles provam porque eram humildemente conhecidos como “a melhor banda de rock do mundo”.

MTV Unplugged In New YorkNirvana (1994)
A série de shows em formato acústico da emissora americana marcou época, sem dúvida, mas também criou uma fórmula que, de tão repetida, se tornou uma piada. Hoje, qualquer bandinha vagabunda faz uma apresentação no estilo um banquinho e um violão, achando que está arrasando. E dá-lhe Emerson Nogueira e Dani Carlos... A outra volta do parafuso dessa história está neste magnífico registro do Nirvana. Enxugando sua sonoridade suja e barulhenta e extraindo dela apenas a beleza dilacerada que habita o mais puro blues, o Nirvana apontou novas direções para sua música. Uma pena que um tiro besta interrompeu essa trajetória impressionante...

Acústico MTVCássia Eller (2001)
Ah, Brasil... Quando os tais acústicos começaram a vender milhões de cópias por aqui, o formato já estava morto e enterrado no resto do mundo. O que, obviamente, não tira o brilho de alguns discos, principalmente deste registro final da grande Cássia Eller. Cantando como nunca, ela vai do pagode ao rock, passando por Edith Piaf e Beatles. Mas o melhor está na delicadeza de Luz dos Olhos, de Nando Reis e Por Enquanto, da Legião Urbana. É longe dos eventuais excessos de algumas de suas interpretações, que se encontrava a Cássia mais completa e emocionante.

How The West Is WonLed Zeppelin (2003)
O melhor registro ao vivo deste verdadeiro monstro dos palcos só foi lançado duas décadas depois de a banda encerrar suas atividades. Antes tarde do que nunca. A partir da abertura acelerada de Immigrant Song (saga de lendas nórdicas condensada em menos de três minutos), o grupo segue por uma sequência de clássicos do peso, sem esquecer o lado mais melódico e abrir um bom espaço para improvisação e reinvenção. Imprescindível!

Under a Blood Red SkyU2 (1983)
O U2 antes de se tornar o U2 como o conhecemos, era uma banda visceral e de energia quase punk, que fazia shows como se o mundo fosse acabar em seguida. Não existe nenhum disco que capte um espetáculo inteiro da banda. O mais próximo disso é esse mini-LP, com apenas oito músicas. Os grandes clássicos do início da carreira estão todos aqui (Sunday Bloody Sunday, New Year’s Day, I Will Follow), junto a lados B de primeiríssima (Party Girl e 11 O’Clock Tick Tock).

100 More MilesCowboy Junkies (1994)
Todo mundo que já ouviu alguma coisa desse maravilhoso grupo canadense se apaixonou imediatamente. A voz suave de Margo Timmins, os arranjos delicados, a revisão muito pessoal que o grupo faz do blues e da country music americana, tornam os vaqueiros viciados um verdadeiro deleite. Neste álbum duplo, eles fazem uma retrospectiva dos quatro primeiro discos, além de se aventurarem em belas versões (State Trooper, de Bruce Springsteen, é simplesmente arrepiante).

Kick Out The JamsMC5 (1969)
Poucos grupos teriam a coragem de se lançar com um disco ao vivo. No caso do grupo americano MC5, este foi um ato muito natural, afinal seus shows sempre foram happenings onde tudo podia acontecer. Anárquico, sujo e rebelde, Kick Out The Jams é um álbum que não deixa pedra sobre pedra. Para escutar e entender porque eles são frequentemente apontados como precursores do movimento punk.

Fa-talGal Costa (1971)
Quem vê Gal transformada na paródia de si mesma, que se arrasta por aí há quase duas décadas, não consegue imaginar que ela um dia foi uma cantora que se arriscava, interpretava gente nova, sangrava em cada canção... Este disco ao vivo surpreende até hoje pela pegada rock, aliada a um lirismo doce e meio triste (não se pode esquecer que o Brasil vivia o auge da ditadura militar). Oscilando entre o grito que vem das entranhas e o sussurro que faz chorar baixinho, Gal dá uma aula de canto, emoção e entrega artística.

If You Want Blood You’ve Got ItAC/DC (1978)
Outra banda que tem o palco como lar, a australiana AC/DC tem no guitarrista Angus Young sua figura de frente. Com roupa de colegial, performance de epilético e uma habilidade impressionante com as seis cordas, Angus já virou um ícone do hard rock e uma verdadeira lenda viva da guitarra. Este ao vivo faz tremer as paredes não só pelo desempenho de Young, mas também pela presença do falecido vocalista Bon Scott, um doido que criou um estilo até hoje muito copiado.

terça-feira, 23 de junho de 2009

Frase Dita

Te perdôo por fazeres mil perguntas que em vidas que andam juntas ninguém faz (...).
Chico Buarque de Holanda

Eu Também Sou Macabéa

O cinema brasileiro é como um paciente em estado muito grave: passa quase todo tempo dormindo, vive por meio de aparelhos e, vez ou outra, dá algum sinal de vida.

Um desses grandes sinais aconteceu num momento muito próximo da morte. Trata-se do longa A Hora da Estrela (BRA, 1985), dirigido por Suzana Amaral.

Era difícil imaginar o que a diretora extrairia de uma obra hermética, essencialmente literária, como o livro homônimo de Clarice Lispector.

Mas Suzana conseguiu, magistralmente, traduzir em imagens um fluxo verbal intenso e catártico. Talvez, percebendo a sutil e, por vezes, cruel poesia com que Lispector descreve sua personagem-foco, Suzana optou por fazer uma pequena tragicomédia, um retrato terno mas sem retoques de um ser humano colado às margens da vida.

Marcélia Cartaxo interpreta, com sensibilidade e delicadeza raramente vistas, uma Macabéa universalmente (todos nós somos um pouco como ela) tosca e permanentemente diminuída pelas circunstâncias.

Nada em sua existência pode ter um final feliz. Seu trabalho é triste e deprimente. Não tem amigos nem namorado (Olímpico não pode ser chamado sequer de um arremedo disso). Come mal. Diverte-se pouco ou nada. Divide um quarto de pensão com outras coitadas que, embora compartilhando do mesmo cotidiano miserável, ainda a menosprezam.

A vida de Macabéa passa letárgica, mas a magia de A Hora da Estrela é nos arrastar para essa morte e vida severina sem nos mostrar o caminho da volta.

É um filme tão simples e bonito que, agora mesmo, quando escrevo, me pego emocionado ao lembrar de suas cenas.

Isso é tão raro no cinema brasileiro que fica a pergunta: por que o Brasil não consegue fazer mais filmes assim?

Material literário e humano certamente não nos falta.

E pensar que tal maravilha continua inédita no formato DVD. Coisas de um país que segue produzindo Macabéas aos milhares...

Ah, esse texto é para o Lázaro e o Afonso, fiéis seguidores do Vitrola e fanáticos pelo filme.

domingo, 21 de junho de 2009

Ícones

Ele já foi folk, glam, crooner romântico, soul man, rock star, alienígena, ator dilacerado, suicida, homem, mulher, ruivo, loiro, exilado, inglês, americano, alemão, avant-garde, careta, gay, cafona, ultramoderno, iconoclasta, simples, complexo, tudo e nada.
Bowie, artista único, imperfeito e sensacional.
O melhor de todos. Sempre.

sábado, 20 de junho de 2009

Disco da Semana

Um dos mais originais, estranhos e belos discos de todos os tempos, Histoire de Melody Nelson, foi lançado pelo músico francês de origem russa, Serge Gainsbourg, em 1971, para deleite de pervertidos - no bom sentido, é claro - de todas as orientações.

Monsieur Gainsbourg já era mundialmente famoso pela sua escandalosa Je T'aime Moi Non Plus, uma singela canção em que a atriz e cantora inglesa Jane Birkin, na época namorada de Serge, murmura, geme e tenta cantar sobre as dores e as delícias de uma relação anal. Isso no início dos anos 70! Polêmica pouca é bobagem.

Novamente ao lado da linda Birkin - é ela quem, inocentemente, segura um bichinho de pelúcia na capa do disco -, Gainsbourg ousou mais alto, e concebe um álbum conceitual, no qual expõe suas obsessões com o sexo e as mulheres (personificadas pela personagem Melody Nelson, que assombra as 7 faixas do disco).

Do ponto de vista musical, é um disco inigualável. Em apenas 28 (!) minutos, Serge inaugura um gênero único, em que o tradicional rock de guitarra, baixo e bateria é desconstruído por inserções de instrumentos orquestrais, as letras são, em alguns momentos, substituídas por risadas histéricas, e o canto é descaradamente trocado por uma narração lenta e sussurrante. Tudo com o charmoso e sedutor sotaque francês.

Apesar de ter fracassado à época de seu lançamento, Histoire de Melody Nelson acabou se tornando um disco cult, objeto de reverência de diversos artistas. E um desafio para o público, ainda hoje acostumado com obras de fácil digestão e compreensão.

Coisa que esta obra-prima certamente não é.

quinta-feira, 18 de junho de 2009

Trilhas Encantadas

Não sei bem porque, mas outro dia me peguei pensando em novelas antigas.

Acho que até os 17 anos, fui aquilo que se pode chamar de noveleiro. Acompanhava, curtia e, por que não, me emocionava com as tramas dos folhetins televisivos.

Depois veio a universidade, o cinema de arte, a literatura de qualidade – até então só lia Sidney Sheldon e Stephen King – e o rock.

Penso que a partir desse momento, toda aquela lenga-lenga que se estende por longos seis meses, se tornou um tanto ridícula e sem sentido para mim.

Porém, muito mais que as próprias novelas, uma coisa que me marcou bastante foram as suas trilhas sonoras.

Verdadeiros objetos de desejo, os discos nacionais e internacionais que compunham a trilha de cada novela, criaram, na minha infância, um gosto que ia bem além da música.

Muito do meu fascínio por discos vem desse primeiro contato com os álbuns de novelas, suas capas coloridas (inicialmente, ilustrações com o logo das novelas e, depois, fotos cafonérrimas dos astros principais) e seu repertório eclético.

Não saberia apontar uma trilha preferida, mas algumas são inesquecíveis, especialmente para quem cresceu na década de 70.

Atire a primeira pedra, por exemplo, quem nunca cantarolou Vida de negro é difícil, é difícil como o quê..., da histórica Escrava Isaura, novela que expôs o lado sádico não apenas do brasileiro como também de metade da população mundial, que se deliciou com os intermináveis sofrimentos vividos pela angelical Lucélia Santos.

Outra que marcou muito foi a trilha de Gabriela, que, me parece, foi especialmente composta para esta antológica adaptação do livro de Jorge Amado. A abertura da novela ficava a cargo de Gal Costa e sua clássica Modinha Para Gabriela.

Não deixa de ser um exercício interessante escutar essas trilhas antigas e compará-las com as atuais.

Fico pensando que, hoje, seria impossível, por exemplo, uma trilha como a do programa infantil Sítio do Pica-Pau Amarelo, de 1977. Contando com nomes como Gilberto Gil, Lucinha Lins, João Bosco e Dorival Caymmi, interpretando canções especialmente compostas para o programa, a trilha é um primor de beleza e encanto, que fizeram minha meninice um bocado mais feliz.

Na era da ultra-tecnologia em que vivemos, a poesia e a delicadeza dessas lúdicas composições ficam cada vez mais distantes.

Mas, talvez por isso mesmo, ficam também mais preciosas.

quarta-feira, 17 de junho de 2009

Frase Dita

Se o mundo é mesmo parecido com o que vejo, prefiro acreditar no mundo do meu jeito.

Renato Manfredini Júnior, o Renato Russo (27.03.1960 - 11.10.1996). Compositor e cantor brasileiro. Destacou-se à frente da banda Legião Urbana.

Meus Discos Preferidos: Brasil

1 DoisLegião Urbana (1986)
A capa simples e minimalista, o clipe em preto-e-branco de Tempo Perdido, as letras intrincadas, poéticas e perfeitas de Renato Russo, a musicalidade direta (ou seria pobre?) de Eduardo e Monica, Índios e Música Urbana II, em suma, o disco-símbolo dos anos 80 e o álbum mais marcante do chamado rock brasileiro. Pelo menos, para quem tinha 16 anos na época...

2Fruto ProibidoRita Lee e Tutti Frutti (1975)
Dona de um passado brilhante junto à pioneira banda Os Mutantes, Rita Lee não tinha muito o que provar em sua carreira solo. Mas ela ousou construir uma discografia de luz própria. Fruto Proibido é o auge dessa busca. Pop e também muito rock – elemento que se perderia nos anos subsequentes – este disco reúne gemas como Ovelha Negra, Luz Del Fuego e Agora Só Falta Você.

3Roberto Carlos (Detalhes) – Roberto Carlos (1971)
Ele já era o “Rei” quando lançou este marco de uma extensa carreira, que se confunde com a história da música brasileira. Não existe nenhum artista que tenha tantas músicas gravadas no inconsciente coletivo nacional quanto Roberto. Ainda que sua produção dos últimos 25 anos seja, no mais das vezes, medíocre, isso não anula o intenso brilho de seu período mais criativo, do qual este disco de 1971 é o maior representante. Mesclando romantismo de fina elegância (Detalhes) com soul music (Como Dois e Dois, de Caetano Veloso) e gospel (Todos Estão Surdos, uma de suas músicas mais originais), é um trabalho irrepreensível.

4Vivendo e Não AprendendoIra! (1986)
Um grande ano para o rock nacional, talvez o ápice para uma geração que tirou as guitarras da garagem e levou sua insatisfação para o grande público. O Ira! foi um grupo que teve um impacto imenso para mim, pela garra e paixão com que tocava. Ainda que depois tenha me desiludido com muitas declarações racistas e idiotas do grupo, a inocência e poesia impressas neste belo trabalho resistiram bravamente às intempéries da vida.

5Bora BoraOs Paralamas do Sucesso (1988)
Os Paralamas foram o primeiro grupo do rock made in the 80’s que soube incorporar ao seu som a rica herança da música brasileira, além de acolher elementos outros, como ritmos latinos e africanos. Bora Bora faz com brilhantismo a ponte Brasil-África, com escala nas Ilhas Caribenhas. É também o disco com as melhores letras de Hebert Vianna, um compositor que sabe falar tão bem de violência urbana (em O Beco) quanto de amor (Quase Um Segundo).

6Secos e MolhadosSecos e Molhados (1973)
É curioso que, em plena ditadura militar, estes caras malucos tenham conseguido um sucesso gigantesco, cantando maquiados e vestidos de maneira, digamos, pouco convencional. Como se não bastasse a ousadia visual, ainda contavam com um cantor de voz feminina e atitude desafiadora, o jovem Ney Matogrosso. O som é quase todo acústico, com os belos vocais de Ney enfeitiçando todos em pequenas pérolas como Sangue Latino e Rosa de Hiroshima.

7CaetanoCaetano Veloso (1987)
Este talvez seja um disco menos festejado do festejado músico baiano, mas, acho que por isso mesmo, é um dos meus preferidos. Sem bobagens típicas de seus trabalhos mais “cabeça” ou concessões ao óbvio -, a exemplo de seus incontáveis discos ao vivo lançados nos últimos anos -, Caetano é um disco maravilhoso, seja pela simplicidade dos arranjos, seja pelas letras inspiradíssimas (é deste disco a arrepiante O Ciúme), seja pelas regravações de ótimo gosto (Fera Ferida, de Roberto e Erasmo Carlos).

8Acabou ChorareOs Novos Baianos (1972)
Frequentemente apontado como um dos dez melhores discos brasileiros de todos os tempos, Acabou Chorare é obra de uma época em que viver em comunidade, fazer amor e música e fumar um baseado caminhavam lado a lado com muita criatividade e ousadia musical. O que estes baianos arretados fizeram foi casar suas raízes nordestinas com a modernidade do rock e um certo despojamento herdado da bossa nova (não se pode esquecer, afinal, que eles foram apadrinhados por João Gilberto). O resultado disso pode ser ouvido em Preta Pretinha, uma das músicas mais irresistíveis já gravadas num vinil brasuca.

9Cabeça Dinossauro Titãs (1986)
Cabeça Dinossauro é o disco de rock que toda banda brasileira deveria aprender a fazer: instigante, variado, antenado com seu tempo, bem tocado e bem produzido. Os Titãs ainda gravaram outros ótimos discos como Jesus Não Tem Dentes no País dos Banguelas e Õ Blésq Blon, mas o status de obra-prima do álbum de 1986 jamais seria alcançado novamente.

10Da Lama ao CaosChico Science & Nação Zumbi (1994)
O último suspiro de criatividade da música jovem brasileira, o Mangue Beat tinha tudo para acabar com a pasmaceira da cena pop nacional e se alastrar mundo afora. A morte estúpida de Chico Science brecou esse processo, mas ficaram dois belíssimos trabalhos, nos quais maracatu, música eletrônica, guitarras pesadas e percussão frenética geram uma sonoridade singular. A abertura de Monólogo ao Pé do Ouvido seguida de Banditismo por uma Questão de Classe está entre os momentos mais antológicos dos anos 90.

segunda-feira, 15 de junho de 2009

O Que Terá Acontecido a... The Mission

Em 1962, o diretor Robert Aldricht lançou um filme marcante não só por sua história de sordidez, fracasso e relações familiares doentias, mas sobretudo pelo duelo de interpretações das duas protagonistas, Bette Davis e Joan Crawford. Supostamente, as duas atrizes se odiavam de verdade, e isso acaba transparecendo na dinâmica sufocante desenvolvida diante das câmaras.

O nome do filme é O que teria acontecido a Baby Jane e se trata, sem dúvida, de uma das obras-primas do cinema americano, daqueles que não perdem sua atualidade e importância nunca.

Inspirado por esse filme, resolvi criar uma nova série: O que terá acontecido a..., sobre artistas sumidos ou longe dos holofotes.

A banda de estréia é o The Mission, também conhecido como The Mission UK.

Formado por Wayne Hussey e Craig Adams, após deixarem o Sisters of Mercy – outra banda que poderia dar as caras por aqui –, o The Mission integrou um lote de grupos que ficaram conhecidos como góticos ou dark.

Lançaram o primeiro trabalho em 1986. E logo alcançaram o sucesso com a música Severina – e só imagino as chateações que as muitas Severinas espalhadas Brasil afora tiveram que aguentar por conta dessa canção.

Na época, a molecada incorporou roupas pretas, maquiagem pesada e um pessimismo totalmente falso, numa importação meio forçada de um movimento que já dava claras mostras de exaustão na Inglaterra – país berço de muitos modismos que passaram como uma nuvem.

Acontece que as ilhas britânicas são realmente um lugar meio para baixo: chove horrores, faz um frio lascado praticamente o ano inteiro e, na primeira metade da década de 80, ainda vivia sob o astral nefasto dos anos da administração Thatcher.

Além do mais, há uma tradição literária que remonta às peças mais sombrias de Shakespeare, passa pelo ultra-romantismo e pela própria literatura gótica, ou seja, toda a onda dark pode parecer meio ridícula, mas faz um grande sentido para eles. Já no Brasil...

Seja como for, o The Mission fez um sucesso doido por estas plagas. Sucesso que durou até o disco Children, de 1988, que contou com o auxílio luxuoso do ex-baixista do Led Zeppelin, John Paul Jones. Depois disso, o grupo sumiu e nunca mais ouvi falar nada dos moços.

Em julho de 2008, numa loja em Portugal, encontrei um disco deles e, de certa forma, revivi um pouco da inocência com que eu absorvia tudo que vinha de fora, quando tinha uns 15 anos.

O The Mission continua sendo um símbolo de uma época de muitas descobertas e de formação de gosto pessoal.

Uma pena que se perderam em meio às trevas que eles próprios enalteciam...

domingo, 14 de junho de 2009

Entre Versos

Eu sei que o amor é bom demais
Mas dói demais sentir
Olhar você e não saber
Que você é a pessoa mais linda do mundo
Eu queria alguém lá no fundo do coração
Ganhar você e não querer
É porque eu quero que nada aconteça
Deve ser porque eu não ando bem da cabeça
Ou eu já cansei de acreditar
Ou eu já cansei...
O meu medo é uma coisa assim
Que corre por fora entra, vai e volta sem sair, oh, oh !
Oh, não ! Não tente me fazer feliz
Eu sei que o amor é bom demais

Pessoa. Gravado por Marina Lima, no disco O Chamado (1993). Composição de Dalto e Cláudio Rabello.

sábado, 13 de junho de 2009

Disco da Semana

É incrível que a máxima de que na natureza nada se cria, se repita miseravelmente em relação às artes.

Enquanto, hoje, muita gente – inclusive eu - fica babando por artistas como Bon Iver, Fleet Foxes e Iron& Wine, a verdade é que a musicalidade “pura” e orgânica desses artistas já havia sido explorada muitas décadas antes.

Exemplo disso é o disco If I Could Only Remember My Name, do músico americano David Crosby. Lançado em 1971, trata-se do primeiro registro solo de Crosby, que, na década de 60, foi pioneiro do folk eletrificado à frente do The Byrds, grupo que eternizou canções de Bob Dylan como Mr. Tambourine Man e My Back Pages.

Junto a Neil Young e, mais frequentemente, Stephen Stills e Grahan Nash, formou o primeiro super-grupo da história e, ao longo de uma carreira de mais de quatro décadas, consumiu mais drogas e se envolveu em mais escândalos do que produziu boa música.

If I Could Only Remember My Name é seu testamento musical, o disco pelo qual Crosby será sempre lembrado. Dono de uma sonoridade cristalina, é um trabalho na qual a bela voz de Crosby mergulha o ouvinte em doces sonhos, em que o ideário hippie ainda está impresso em cada letra.

Mesmo em rocks mais pesados (como Cowboy Movie, de longos e inebriantes 8 minutos), Crosby parece querer nos levar para uma terra prometida, onde se come o que se planta, a natureza é respeitada e o amor é livre e incondicional.

Ingênuo e piegas? Pode ser, mas cantado por esse velho hippie, tudo fica absurdamente crível e prazeroso.

sexta-feira, 12 de junho de 2009

De Boas Intenções...

Há dois sérios problemas com o filme Budapeste (Brasil, 2009).

O primeiro é a direção pouco segura de Walter Carvalho. O segundo é ser um filme muito fiel ao livro no qual se baseia, a obra homônima de Chico Buarque.

O primeiro pecado, até que se perdoa, afinal Walter Carvalho tem sua primeira experiência dirigindo sozinho e há, aqui e ali, alguns bons momentos. Além do mais, provando sua excelência como diretor de fotografia, Walter brinda o público com imagens de babar (sobretudo as cenas filmadas na capital da Hungria).

Agora, quanto ao segundo...

O livro de Chico Buarque foi muito elogiado. Até o Nobel de Literatura, José Saramago, soltou delicadezas sobre a "obra". Mas, sinceramente, acho uma grande chatice.

Para mim, existe um imenso medo de se falar mal ou de criticar Chico Buarque. O cara virou um monstro sagrado. E não pode haver nada mais insuportável que a veneração boba que existe em torno de uma tal criatura. Os monstros sagrados são como seres mitológicos: eles habitam mundos fantásticos, realizam atos prodigiosos e desaparecem da nossa imaginação assim que a gente cresce um pouquinho.

Se os livros de Chico fossem analisados sem se levar em conta o nome do autor, seriam abominados ou então relegados ao esquecimento.

Estorvo tem o título mais adequado de seus quatro romances: não consegui passar das 20 primeiras páginas – e olha que sou um leitor bastante persistente!

Sobre Benjamim, me calo, porque, depois do trauma do primeiro, preferi passar longe do segundo.

Mas resolvi me dar uma segunda chance com Budapeste. Tempo perdido. Não sou crítico literário, muito menos escritor, mas não tenho medo de opinar sobre o que leio. E, no fundo, leio também para isso. Acho Budapeste um equívoco da primeira à última página. Pretensioso, verborrágico, vazio e cansativo, o livro só conseguiu me despertar uma imensa antipatia pelo protagonista, um homem em crise que parece buscar nas palavras uma salvação para o fracasso de sua vida.

A antipatia se repete na tela. Leonardo Medeiros, um bom ator que ainda não achou um papel à altura de seu talento, desenha um personagem por vezes detestável.

Para piorar, o texto rebuscado e pedante do livro marca presença numa narração em off que não contribui em nada para melhorar o roteiro (roteiro? que roteiro?).

Curioso que no mesmo dia, assisti a um filme uruguaio curtinho, simples e despretensioso, Viaje Hacia El Mar. Nada de excepcional, mas se os brasileiros aprendessem com os vizinhos a fazer cinema, com um pouquinho mais de alma e um bocado menos de arrogância, já teríamos dado um grande passo.

Entre Versos

É a sua vida que eu quero bordar na minha
Como se eu fosse o pano e você fosse a linha
E a agulha do real nas mãos da fantasia
Fosse bordando ponto a ponto nosso dia-a-dia
E fosse aparecendo aos poucos nosso amor
Os nossos sentimentos loucos, nosso amor


A Linha e o Linho. Composição de Gilberto Gil (1983).

quarta-feira, 10 de junho de 2009

Meus Discos Preferidos: Black Music

1 What’s Going OnMarvin Gaye (1971)
Este disco já foi eleito pelo jornal inglês New Musical Express como o melhor de todos os tempos. Uma escolha pouco usual, mas não exatamente equivocada. What’s Going On é o momento em que as músicas certinhas da fábrica de hits da Motown se deparam com a dura realidade de um mundo em guerra, com sérios problemas ambientais e muita violência nas grandes cidades. Tudo conduzido pela voz mágica do maior cantor que esse planeta já conheceu.
2 I Never Loved A Man The Way I Love YouAretha Franklin (1967)
Uma cantora extraordinária, uma coleção de canções inesquecível. Ninguém nunca pediu para ser respeitada com tamanha urgência – em Respect, de Otis Redding - ou gritou pela necessidade de mudanças sociais com a alma inteira saindo pelas cordas vocais – em A Change Is Gonna Come, o monumento de Sam Cooke, em sua versão definitiva. Todo mundo devia escutar este disco ao menos uma vez na vida.
3SuperflyCurtis Mayfield (1972)
Trilha sonora para um dos grandes sucessos do gênero cinematográfico, que ficou conhecido como Blaxploitation, Superfly é também a obra-prima de um dos gigantes da música negra americana, Curtis Mayfield. Recheado de fortes comentários sociais – criminalidade, a vida nos guetos, tráfico de drogas -, Superfly permanece tão atual quanto à época de seu lançamento. Não é para menos: os arranjos orquestrados, as guitarras espertas e, sobretudo, a voz doce de Mayfield brilham intensamente em qualquer tempo e lugar.
4 Fulfillingness’ First FinaleStevie Wonder (1974)
Outro garoto de ouro da Motown, que virou a mesa e passou a fazer discos altamente pessoais, Stevie Wonder é uma figura de uma musicalidade impressionante. Não bastasse sua voz única – um misto de masculino e feminino que tem intrigado há décadas -, Wonder ainda é um músico ousado e curioso o suficiente para juntar num mesmo disco, gospel (Heaven Is 10 Zillion Light Years Away), funk (Boogie On Reggae Woman) e puro romantismo (Too Shy To Say).
5 Live At The Harlem Square Club, 1963Sam Cooke (1985)
Lançado mais de vinte anos após sua gravação, esse disco incrível é o registro definitivo de um cantor que influenciou 10 entre 10 cantores negros americanos (e ouso dizer, muitos brasileiros). Ao vivo, Sam Cooke era pura dinamite, um mestre de cerimônias elegante e sensual que conduzia a platéia com entusiasmo e grande energia. Para ouvir e lembrar que um dia a música para bailar – como se dizia naquelas épocas – era feita também para se cantar junto.
6 High Priestess Of SoulNina Simone (1966)
Apropriadamente intitulado Alta Sacerdotisa do Soul, este disco é um monumento a uma voz nascida para enfeitiçar e maravilhar todos que a ouvem. Simone foi um farol na luta pelos direitos de igualdade civil dos negros americanos, e isso transparece em cada uma de suas interpretações. Ainda que, por vezes, os arranjos de algumas canções sejam melosos e sem originalidade, a qualidade vocal dessa cantora divina é sempre imperdível.
7 Off The WallMichael Jackson (1979)
Este foi o disco que consolidou a carreira solo do promissor garoto-prodígio dos irmãos Jackson. O repertório é divido entre músicas para cair na pista de dança e outras mais lentas. Para mim, Michael Jackson nunca convenceu como cantor romântico – ele sempre foi uma figura meio assexuada – ,mas quando acelera o ritmo, é simplesmente irresistível.
8 Purple RainPrince (1984)
Poucos artistas conseguiram unir ousadia com potencial comercial como Prince. Durante a década de 80, ele parecia imbatível em sua alquimia de rock, funk, soul e pop. Purple Rain não é exatamente uma trilha sonora. É mais um disco que deu origem a um filme, portanto um trabalho que está além das bobagens perpetradas por Prince na tela (o filme, para mim, é um verdadeiro horror). Se tivesse apenas a emblemática When Doves Cry e a grandiosa faixa-título, esse disco já seria um clássico.
9 On How Life IsMacy Gray (1999)
Um caso raro de disco contemporâneo feito com o espírito e a emoção dos grandes mestres do funk e do soul, On How Life Is lançou Macy ao estrelato, vendeu milhões de cópias e rapidamente caiu no esquecimento. O que prova, apenas, que vivemos numa época de memória curta e de casos de amor de rápida duração. A qualidade de canções como I’ve Committed Murder, I Tried e I Can’t Wait To Meetchu, entretanto, permanece inalterada e pronta para uma redescoberta.
10Going To A Go GoSmokey Robinson & The Miracles (1965)
Chamar Smokey Robinson de gênio é um lugar-comum, mas não deixa de ser uma constatação importante. Compositor de mão cheia, poeta premiado, cantor de voz suave e envolvente, Robinson é um verdadeiro pilar da música americana. Suas canções já foram regravadas incontáveis vezes, e ele permanece uma referência de pop de qualidade atemporal. Para entender tudo isso, basta apenas escutar The Tracks Of My Tears, faixa de abertura deste disco, de 1965, e uma das marcas registradas de Robinson.

terça-feira, 9 de junho de 2009

Gig Posters

Um site incrível para quem curte artes gráficas, design e música é Gig Posters (http://www.gigposters.com/).

São mais de cem mil posters de concertos de rock catalogados, separados por ordem alfabética de banda.

Há desde bandas totalmente obscuras até blockbusters como U2 e Coldplay.

Uma viagem fascinante por um universo de estilos que abarcam a explosão cromática de nítida inspiração psicodélica, a funcionalidade fria da arte russa e da Bauhaus, o expressionismo abstrato americano e a estética dos quadrinhos.

Vale conhecer.

Capas Clássicas

Quando Bruce Springsteen lançou Born To Run, em 1975, ele ainda era um artista praticamente desconhecido nos Estados Unidos.

A dimensão épica das canções do disco, junto com letras claramente inspiradas pela literatura beatnick – o movimento artístico no qual despontou o escritor Jack Kerouac, autor do clássico On The Road-, bateu fundo no coração da América e rapidamente Bruce apareceria na capa de revistas de circulação nacional, como Time e Newsweek.

A foto do álbum, na qual Bruce aparece apoiado no saxofonista da E Street Band, Clarence Clemons, é uma imagem perfeita para a mitologia rock e estrada fundada com este disco.

Springsteen sempre foi mais um músico de palco que de estúdio. Seus shows são maratonas que, às vezes, duram 4 horas. Sua interação com a E Street Band – grupo de excepcionais músicos que o acompanham desde a década de 70 –, é caso de raro entendimento musical e amizade que se estende por quase 40 anos.

Na capa de Born To Run essa mistura de dependência, camaradagem e gosto pela música, está magicamente expressa numa imagem em preto-e-branco simples, enxuta e inesquecível.

Como a própria música de Springsteen.

segunda-feira, 8 de junho de 2009

A Sangue Frio

Um casal é atacado, sem motivos aparentes, por um grupo de três pessoas mascaradas, em uma casa na floresta. Este é a trama de Os Estranhos (The Strangers, EUA, 2007), filme a que eu assisti recentemente, junto a um clássico do terror do início da década de 80, Pague Para Entrar, Reze Para Sair (Funhouse, EUA, 1981), do diretor Tobe Hooper, autor de outra película fundamental do gênero, O Massacre da Serra Elétrica, de 1974.

O roteiro de Funhouse não difere essencialmente de 90% dos filmes do gênero (inclusive Os Estranhos): um grupo de adolescentes fica preso em um parque de diversões, onde é atacado por um rapaz de aspecto monstruoso, que os persegue violentamente até o final da fita.

O que na verdade esses filmes me despertaram, além de alguns de momentos de tensa diversão, foi uma profunda reflexão a respeito da natureza do medo e da crueldade humana.

Não pude deixar de lembrar da obra-prima de Truman Capote, A Sangue Frio, na qual o genial escritor americano mergulhou fundo na investigação de um crime bárbaro, cometido por motivos fúteis.

Capote teve acesso aos acusados, tendo inclusive desenvolvido um relacionamento de caráter ambíguo com um deles. O impacto da publicação de seu livro mais famoso, traria luz não apenas sobre o ato criminoso como também sobre a psicologia um tanto labiríntica dos criminosos.

Ler A Sangue Frio é uma experiência que nos coloca em contato direto com o lado mais obscuro e selvagem do ser humano. Impossível ficar indiferente.

Não que os filmes citados tenham a complexidade da obra de Capote, mas, para mim, o que esse tipo de filme faz é entregar para as massas um produto em que se purga o terror, sem precisar entrar em contato com nossa porção mais nefasta.

É, de certa forma, o mesmo efeito produzido por música muito violenta ou extremamente barulhenta. Acho que vem daí o fascínio de muito adolescente pelo heavy metal, o trash, o rock de inspiração satânica e outros subgêneros musicais.

Cada vez mais, me parece que, tanto os filmes de terror quanto o heavy metal são, para adolescentes e jovens adultos, como um espelho. O reflexo que ele produz pode parecer um tanto distorcido para quem já passou por essa fase, mas para quem a vive, é real, intenso e profundamente vital.

domingo, 7 de junho de 2009

Entre Versos

Para provar que não tenho má vontade com a música brasileira, resolvi selecionar um grupo de canções que eu gosto muito, com os versos mais significativos de cada uma delas (perdoia-nos, Camões...):

1- Detalhes - Roberto Carlos
Eu sei que esses detalhes
Vão sumir na longa estrada
Do tempo que transforma
Todo amor em quase nada
Mas "quase"
Também é mais um detalhe
Um grande amor
Não vai morrer assim
Por isso
De vez em quando você vai
Vai lembrar de mim
(...)
2- Vambora - Adriana Calcanhotto
Entre por essa porta agora
E diga que me adora
Você tem meia hora
Prá mudar a minha vida
Vem, vambora
Que o que você demora
É o que o tempo leva
(...)
3- Índios - Legião Urbana
Eu quis o perigo
E até sangrei sozinho
Entenda!
Assim pude trazer
Você de volta pra mim
Quando descobri
Que é sempre só você
Que me entende
Do início ao fim.
4- O mundo é um moinho - Cartola
Ouça-me bem amor
Preste atenção o mundo é um moinho
Vai triturar teus sonhos, tão mesquinho.
Vai reduzir as ilusões a pó
Preste atenção querida
Em cada amor tu herdarás só o cinismo
Quando notares estás à beira do abismo
Abismo que cavastes com teus pés.
5- Preciso me encontrar - Candeia
Se alguém por mim perguntar
Diga que eu só vou voltar
Quando eu me encontrar...
Quero assistir ao sol nascer
Ver as águas dos rios correr
Ouvir os pássaros cantar
Eu quero nascer, quero viver
(...)
6- Só nos resta viver - Ângela Rô Rô
Quem dera pudesse
A dor que entristece
Fazer compreender
Os fracos de alma
Sem paz e sem calma
Ajudasse a ver
Que a vida é bela
Só nos resta viver.
7- Sampa - Caetano Veloso
Do povo oprimido nas filas, nas vilas, favelas
Da força da grana que ergue e destrói coisas belas
Da feia fumaça que sobe, apagando as estrelas
Eu vejo surgir teus poetas de campos, espaços
Tuas oficinas de florestas, teus deuses da chuva.
8- Super-homem, a canção - Gilberto Gil
Quem sabe o super-homem venha nos restituir a glória
Mudando como um Deus o curso da história
Por causa da mulher.
9- Outra vez - Roberto Carlos (com letra de Isolda)
Das lembranças
Que eu trago na vida
Você é a saudade
Que eu gosto de ter
Só assim!
Sinto você bem perto de mim
Outra vez
(...)
10- Para um amor no Recife - Paulinho da Viola
Quero fechar a ferida
Quero estancar o sangue
E sepultar bem longe
O que restou da camisa
Colorida que cobria minha dor
Meu amor eu não esqueço
Não se esqueça por favor
Que voltarei depressa
Tão logo a noite acabe.
11- Sonhos - Peninha
Mas não tem revolta não
Eu só quero
Que você se encontre
Ter saudade até que é bom
É melhor que caminhar vazio
A esperança é um Dom
Que eu tenho em mim
Eu tenho sim
Não tem desespero não
Você me ensinou
Milhões de coisas
Tenho um sonho em minhas mãos
Amanhã será um novo dia
Certamente eu vou ser mais feliz
(...)

quinta-feira, 4 de junho de 2009

Do Baú

Sou aquilo que costumam de chamar rato de sebo. Sempre tive o saudável hábito de xeretar, em meio a prateleiras empoeiradas, discos e livros novos e antigos. Alguns de meus discos mais queridos, foram adquiridos em sebos tanto brasileiros quanto estrangeiros (quando viajo, já saio com uma lista de lojas no bolso).

Recentemente, encontrei em um dos mais tradicionais sebos de Brasília, um trabalho que tinha escutado uma única vez, mas que havia me impressionado bastante: Cida Moreyra Interpreta Bertold Brecht.

O disco me havia sido apresentado por uma professora de história de teatro, na Universidade de Brasília (UnB), durante uma aula sobre o chamado teatro épico, do grande dramaturgo alemão Bertold Brecht. Na época, já conhecia a obra de Brecht por meio de uma montagem de Mãe Coragem, vista no Teatro Dulcina, e pela leitura da obra-prima Galileu, para mim um dos maiores textos de literatura dramática já escritos.

A descoberta das músicas compostas por ele junto a Kurt Weill foi um achado inesquecível. Fico imaginando a montagem de suas peças nas décadas de 20 e 30, com toda a efervescência cultural da Alemanha pré-nazismo, o engajamento sócio-político dos trabalhos, as canções comentando e expandindo as possibilidades dramáticas de cada cena, enfim, uma revolução embrionária que foi abortada pela truculência do regime de Hitler.

No disco de Cida, a grande maioria das canções está traduzida para o português pelo diretor teatral Cacá Rosset e são, quase que exclusivamente, acompanhadas apenas pelo ótimo piano da própria Cida. Com toda sua experiência prévia como atriz, ela soube dar o tom exato de teatralidade a cada canção.

Habilmente, Cida costura comédia, drama e musical num disco brilhante.

quarta-feira, 3 de junho de 2009

Meus Discos Preferidos: Anos Dois Mil

Gimme FictionSpoon (2005)
Os americanos dominam de forma avassaladora a música de boa qualidade que se faz hoje. Enquanto os ingleses ficam choramingando e se lamentando, seus colegas nos Estados Unidos experimentam todas as possibilidades de se fazer música excitante, inteligente e altamente prazerosa. O Spoon já possuía alguns anos de estrada quando atingiu o pico criativo com esse instigante Gimme Fiction. O que o coloca, para mim, no topo da lista é o ótimo vocalista e principal compositor Britt Daniels, capaz de cantar em falsete na ótima I Turn My Camera On, soltar a voz em My Mathematical Mind e ainda se converter num ótimo crooner pop em Sister Jack.

Dear Science – TV On The Radio (2008)
Mais uma excelente banda, essa vinda do Brooklin, NY. Admirado por gente como David Bowie, o grupo começou altamente experimental, mas foi, aos poucos, dosando ousadia musical com um instinto pop invejável. Num mundo perfeito, Dear Science venderia horrores, tocaria sem parar no rádio e seria recebido pelo grande público como se fosse, digamos, um disco de Mariah Carey. Sem os gritos e as caras e bocas, é claro.

ElephantThe White Stripes (2003)
Uma das figuras mais produtivas da cena atual, Jack White vai gravando um disco atrás do outro (com ou sem sua parceira Meg), sem dar sinais de fadiga criativa. Elephant não é em nada diferente da mistura de blues, country e rock ensurdecedor que marcou os discos anteriores do grupo, mas é aqui que se encontram Seven Nation Army, The Hardest Button To Button e Girl, You Have no Faith In Medicine, para mim, as três melhores canções de Jack e Meg.

A Rush Of Blood To The HeadColdplay (2002)
A melhor banda inglesa de pop rock dos últimos anos, o Coldplay desperta reações apaixonadas: tem gente que acha um saco o som “sensível” do grupo, enquanto outros simplesmente se deixam levar pela qualidade – indiscutível – das canções compostas por Chris Martin e Cia. Eu sou assumidamente do segundo grupo. Acho que eles são brilhantes compositores, que Martin canta com todo coração e que, sim, ainda existe espaço para sensibilidade na música pop.

Franz FerdinandFranz Ferdinand (2004)
O melhor debut da década, este disco é a suprema união entre o guitar rock típico dos anos 90 com as batidas dançantes das bandas pop da década de 80. As influências apontadas aqui vão de Duran Duran a Gang Of Four, mas o que vale mesmo é a alquimia que estes escoceses realizam em canções já clássicas como Take Me Out e Darts Of Pleasure.

American IdiotGreen Day (2004)
Num ano de grandes estréias, os já veteranos rapazes do Green Day fizeram um épico punk que radiografou a era Bush de maneira brilhante. Ambicioso, intenso, recheado de canções de qualidade atemporal , American Idiot é uma dessas obras que já nascem clássicas.

Rated RQueens Of The Stone Age (2000)
Chamado à época do lançamento deste disco de novo Nirvana, o QOTSA não precisou de comparações tolas para impor seu rock setentista, chapadão e pesado. A primeira faixa traz sob o irônico título de Feel Good Hit Of The Summer, uma letra que somente lista uma série de drogas lícitas e ilícitas, enquanto que em Better Living Through Chemistry, o grupo ressuscita a psicodelia com um peso e uma pegada que remetem ao som do Led Zeppelin e do Black Sabbath.

Gang of Losers - The Dears (2006)
Esta última década tem sido testemunha de uma extraordinária ascensão do rock vindo do Canadá. The Dears é uma das melhores bandas de uma cena que inclui nomes como New Pornographers, Broken Social Scene e Feist. Girando em torno do ótimo vocalista Murray Lightburn, o grupo limou excessos e vícios dos discos anteriores e lapidou, em Gang of Losers, um diamante perfeito, que brilha da primeira à última faixa.

Live a LittlePernice Brothers (2006)
Joe Pernice é uma figura singular: faz música simples, de melodias assobiáveis, letras delicadas e arranjos cristalinos. Live a Little é seu sexto disco e o exemplar mais bem acabado de uma estética que despreza modismos e modernices, em favor de espontaneidade e sinceridade raramente vistas. Toda vez que bate uma certa melancolia, coloco este disco no player, seleciono a 3ª faixa, Somerville, e logo me sinto mais confortado.

The Dirty SouthDrive-By Truckers (2004)
Sexto trabalho desta excepcional banda do Alabama, The Dirty South é um disco para quem gosta de rock puro e dos bons, sem frescuras ou maiores invenções. Tudo tem nítido sabor sulista, aquele rock básico meio caipira, com um pé no country e outro no blues. É um disco longo (quase 80 minutos!), mas que não cansa ou se repete. E ainda tem uma emocionante homenagem aos vocalistas do The Band, na bela Danko/Manuel. Para quem quer saber como se faz rock’n’roll de verdade, hoje em dia, este é o disco.

terça-feira, 2 de junho de 2009

Para Ouvir e Se Arrepiar

Na década de 70, as rádios A.M. eram a principal fonte de informação, música e entretenimento para muitos brasileiros. Foi, também, a minha trilha sonora até mais ou menos os 10 anos de idade.

Mas não se resumia apenas à música.

Existia, na época, um programa que fez o terror de muitas das minhas noites, além de alimentar muitíssimo minha fértil imaginação: As Histórias Que o Povo Conta.

Tratava-se de um programa em que cartas enviadas pelos ouvintes relatavam causos, acontecimentos sobrenaturais, casos de possessão demoníaca e outras lendas urbanas e rurais. A narração era lúgubre e acompanhada por um fundo musical chupado de filmes de terror.

Hoje, fico imaginando que tudo devia ser absolutamente tosco, mas para um moleque de 7, 8 anos de idade, aquilo era o máximo de suspense e terror.

Quantas noites foram passadas em claro, assombrado pela canastrice dos locutores, que descreviam mulheres sedutoras que voltavam do túmulo, fantasmas que perseguiam motoristas em noites frias e solitárias e inocentes criancinhas que eram possuídas pelo diabo (cruzes!).

Outro programa que eu achava espetacular, era o romântico Para Ouvir e Amar, no qual canções melosas nacionais eram alternadas com outras em inglês, que eram traduzidas simultaneamente por um locutor cheio de amor para dar. Isso, sem falar nas cartas apaixonadas, todas lidas com a dose obrigatória de sacarina e pseudo-sensualidade.

Lembro que quando assisti a Domésticas, o Filme (Brasil, 2001, diretores: Nando Olival e Fernando Meirelles), muito desse passado veio à mente. Talvez porque na infância tenha convivido muito com empregadas domésticas, inclusive tendo ajudado a escrever muitas cartas de amor para seus pretendentes, e escutado os clássicos da música brega junto com elas.

Daí, também, muito da minha admiração por artistas como Sidney Magal, Gretchen, Fernando Mendes e Odair José. Desprezados pela elite pensante e culta, eles eram o lado doce no amargo dia-a-dia de grande parte de nossa gente.

Se hoje não consigo parar, por mais de 15 minutos, em qualquer estação de rádio, não posso deixar de ter uma recordação afetuosa de uma época em que o rádio era uma das partes mais ternas, excitantes e assustadoras da minha vida.