quarta-feira, 28 de outubro de 2009

Um Passeio Musical

Quando fui a Buenos Aires pela primeira vez, em 2004, havia um mito de que a capital argentina sozinha tinha mais livrarias que o Brasil inteiro.

Se era verdade ou não, uma coisa não se podia negar: a quantidade de lojas de discos e livros nas ruas de Buenos Aires era algo que realmente chamava a atenção, não só pela grande quantidade como também pelo tamanho e a variedade de títulos de quase todas.

Na época, a Argentina começava a se recuperar da violenta crise econômica que atingiu o país no final dos anos 90 e início dos 2000. Brasileiros invadiam as calles portenhas, aproveitando os preços baixos e falando seu tradicional e constrangedor portunhol. Uma verdadeira praga!Enquanto isso, eu estudava o idioma de Cervantes – ou, mais de acordo com a ocasião, de Borges – e ia frenético de uma loja de discos para outra.

De cara, me deixou intrigado o quanto o mercado fonográfico argentino é mais variado e completo que o nosso. Lançamentos internacionais chegam bem antes que aqui e muita coisa boa sai por lá sem nunca dar o ar da graça nestas plagas. Desnecessário mencionar que, com o peso desvalorizado diante do real, os preços dos cd’s são ainda uma atração à parte.

Segue, portanto, uma sugestão de passeio pelas lojas de discos de Buenos Aires:
Depois de um café com leite com media lunas (os nossos croissants), siga para a avenida Santa Fé e vá direto à livraria mais linda que existe neste planeta, a El Ateneo Grand Splendid, ou como é mais conhecida entre os locais, Yenny. Montada num antigo teatro que foi reformado e devidamente adaptado, o lugar alia as grandes dimensões de uma megastore à atmosfera acolhedora de um templo cultural.

Na mesma Santa Fé, logo ao lado da Ateneo, está uma das maiores lojas da rede Musimundo. Preços ligeiramente mais em conta e uma seleção de títulos tão ampla que é preciso paciência e disposição para fuçar tudo. Há várias outras espalhadas pela cidade, mas esta resolve tudo.

Saindo da Musimundo, aproveite para tomar um sorvete na fantástica Volta. Peça um sabor qualquer de sorvete de doce de leite. Não existe nada igual no mundo.

Devidamente energizado, dobre na avenida Callao, dê uma paradinha na alternativa Notorious, misto de ciber-café, loja e restaurante e escolha, digamos, um disco da banda Yo La Tengo , que apesar do nome em espanhol, é americana.

Em seguida, tome o metrô, que fica pertinho, e desembarque na movimentadíssima Corrientes, espécie de Broadway argentina, com enorme concentração de teatros, cinemas, livrarias e a ótima Zival, loja especializada em ritmos locais, principalmente tango. Mas, completa e variada como é, a Zival também tem uma ótima seção de pop rock. O que você não tiver encontrado no Ateneo ou na Musimundo, com certeza encontrará aqui.

Aproveite para provar uma deliciosa empanada em algum restaurante da região. Minha preferida é a de queijo com cebola, mas a mais tradicional é mesmo a de carne.

Após a parada gastronômica, desça a Corrientes até o cruzamento com a calle Florida. Fique de olho na bolsa e na carteira e mergulhe na multidão de transeuntes que se aglomera tanto nesta rua quanto nas que a cruzam.

É o centro de Buenos Aires e, como tal, é a parte da Capital que mais lembra uma grande metrópole brasileira: caótica, barulhenta e agitada. Por aqui também se pode encontrar uma série de lojinhas menores.

Vale à pena dar uma olhada. Algumas exibem boas promoções e sempre se pode comprar um Carlos Gardel baratinho para trazer de recuerdo.

Pronto, depois de tudo isso, você estará exausto, com a mochila carregada, e louco para encarar o famoso bife de lomo argentino (a menos que você seja, como eu, vegetariano. Aí fique com uma bela massa. Buenos Aires é rica em restaurantes italianos).

domingo, 25 de outubro de 2009

Nas Asas da Crítica

Sei que muita gente odeia de morte a crítica de arte. Eu, ao contrário, sou extremamente grato a uma parcela de críticos esclarecidos, cultos e bem informados.

Devo boa parte da minha formação musical e cinematográfica aos críticos e jornalistas das revistas BIZZ e SET.

Na década de 80, quando estas revistas começaram a circular no Brasil, os críticos não tinham medo de ser eruditos. Citavam em suas críticas poetas, filósofos, bandas e diretores obscuros. Instigavam muito mais que entregavam o prato pronto. Traçavam paralelos fascinantes. Uniam informação com opinião pessoal de uma forma prazerosa e estimulante. Quem quisesse e tivesse curiosidade que fosse atrás.

Foi desta forma que descobri artistas fundamentais como Nick Cave, 10.000 Maniacs, Cowboy Junkies, The Stooges, The Byrds, Marvin Gaye e Leonard Cohen.

Folheando as páginas recheadas de (boas) informações da SET é que tive vontade de assistir a filmes como o holandês O Homem da Linha, o inglês Rita, Sue e Bob Nu, os americanos Confiança e Daunbailó, e o dinamarquês A Festa de Babette.

Isso sem falar nas inesquecíveis fichinhas com cartazes e informações técnicas de filmes, que vinham encartadas na SET. Era uma verdadeira loucura correr atrás de cada título (na época, uma boa locadora resolvia nossa vida) e ter aquela indescritível sensação de já ter assistidos a TODOS (no meu caso, a quase todos).

É claro que por conta de muita crítica entusiasmada comprei discos dos quais acabei me desfazendo, e assisti a filmes que eram um verdadeiro pé no saco, mas, no balanço geral, acho que tudo valeu muito à pena.

Fica aqui, então, meu agradecimento a gente como Ana Maria Bahiana, José Augusto Lemos, José Emilio Rondeau, André Barcinski, Luis Nazário, Inácio Araújo e tantos outros.

Sem eles, meu mundo seria significativamente mais pobre e triste.

sexta-feira, 23 de outubro de 2009

A “Suerte” de Shakira

Recebo por e-mail uma resenha irada sobre o novo cd da cantora e compositora colombiana Shakira, retirada do blog andremans.blogspot.com . Não ouvi - e nem pretendo – o tal disco.

Shakira se perdeu para mim depois que se tornou “americana”. Quando sua música ainda era colombiana, gravou boas canções e um ótimo disco – Donde Están Los Ladrones – em que mostrava um grande talento para filtrar influências de música pop estrangeira (leia-se americana e inglesa), por um viés inegavelmente latino.Quando resolveu se aventurar no milionário mercado americano, eu sabia que algo sairia errado.

As pistas foram dadas pela versão em inglês de Suerte, que virou no idioma de Shakespeare Whenever Whatever. Como uma mesma canção podia soar tão absurdamente diferente em suas duas versões? A resposta era clara: Shakira cantando em inglês não era Shakira. Pouco a vontade com uma língua estrangeira, até mesmo sua voz saía adulterada.

Não bastasse esse tropeço linguístico, a Shakira versão ianque é uma mulher ultra-sensual que, em muitos clipes, trafega na fina fronteira entre erotismo de bom gosto e pornografia disfarçada.
Nada de se espantar, afinal de Beyoncé até Nelly Furtado, uma coisa se mostra muito evidente no pop de hoje: se não vender sexo não vende música. Mas, não sei por que, me fica a impressão de que também nesse quesito Shakira se sente inadequada.

Os mais cínicos poderiam dizer que, com uma fortuna que só faz crescer e uma popularidade mundial sem precedentes para uma cantora de origem sul-americana, Shakira não deve se sentir nada inadequada.

Pode ser. Talvez inadequados nos sintamos eu e o André Mans por ver uma artista tão promissora se prostituindo de forma tão descarada.

quinta-feira, 22 de outubro de 2009

Sem Cortes

Não sei se estou errado, mas me parece que a primeira década dos anos 2000 só termina em 31 de dezembro de 2010. Certo? Bom, para uma parcela da imprensa musical gringa, ela está terminando em 31 de dezembro deste ano.

No afã de sair na frente da concorrência, a revista inglesa UNCUT divulgou em sua edição de outubro, uma lista com os 150 melhores discos da década.

Como sempre, quando se trata de UNCUT, o trabalho é meticuloso, amplo, informativo e rico.

A banda campeã da lista é sem dúvida o White Stripes, que teve todos os seus discos relacionados e faturou o número um, com o ótimo White Blood Cells.

Há muitos discos de Bob Dylan, Neil Young, Radiohead – estes, para mim, autores dos melhores álbuns dos últimos tempos: Hail To The Thief e In Rainbows, respectivamente 134ª e 15ª posições -, além de álbuns que acho bem fracos (A Bigger Bang, dos Rolling Stones, um disco esquecível e que não acrescenta nada à carreira de Jagger/Richards, por exemplo), e outros que só a crítica especializada consegue gostar, como Merriweather Post Pavilion do grupo americano Animal Collective e Ys da harpista e cantora Joanna Newson, um disco conceitual de músicas longas, lentas e muito, mas muito chatas mesmo.

Segue a relação dos 20 primeiros colocados. Se você não concorda – como é o meu caso – vale como sugestão de audição. Afinal, em termos de jornalismo musical não existe nenhuma publicação no mundo, atualmente, que chegue aos pés desta revista incrível:
20 - Amy Winehouse. Back to Black
19 - Bruce Springsteen. The Rising
18 - Kate Bush. Aerial
17 - The White Stripes. Elephant
16 - LCD. Soundsytem Sound of Silver
15 - Radiohead. In Rainbows
14 - Primal Scream. XTRMNTR
13 - Gillian Welch. Time (The Revelator)
12 - Portishead. Third
11 - The Flaming Lips. Yoshimi Battles the Pink Robots
10 - Fleet Foxes. Fleet Foxes
9 - Ryan Adams. Heartbreaker
8 - Bob Dylan. Modern Times
7 - The Arcade. Fire Funeral
6 - Robert Plant & Alison Krauss. Raising Sand
5 - The Strokes. Is This It
4 - Brian Wilson. Smile
3 - Wilco. A Ghost is Born
2 - Bob Dylan. Love and Theft
1 - The White Stripes. White Blood Cells

quarta-feira, 21 de outubro de 2009

Capas Clássicas

Quando o vocalista original do AC/DC, Bon Scott, morreu em 1980, ninguém poderia imaginar que a banda australiana teria uma segunda vida.

Com o inglês Brian Johnson no microfone, o AC/DC não só teve uma segunda chance como expandiu seu público absurdamente e se tornou um fenômeno mundial.

Back In Black é um clássico absoluto do rock inconsequente e, muitas vezes, estúpido praticado pelo grupo. Obcecados por temas caros ao imaginário rock’n roll – bebedeiras e sexo, basicamente – os irmãos Young e seu novo cantor perpetraram verdadeiros ícones do peso como Rock and Roll Ain’t Noise Pollution, Hells Bells e, logicamente, a excepcional faixa-título.

Como todo disco marcante, Back In Black traz uma capa que, sem sombra de dúvida, fez escola. Sem maiores elaborações, o grupo foi direto ao ponto e concebeu uma arte simples e minimalista, como, aliás, seu próprio som.

Apenas os nomes da banda e do disco aparecem desenhados sobre um fundo totalmente negro. Se o objetivo era passar uma mensagem de total volta ao básico, o grupo não poderia ter sido mais bem sucedido.

Jovens do mundo inteiro aderiram sem pestanejar ao visual calça jeans e camiseta preta do grupo – com exceção, obviamente, do visual colegial endiabrado do guitarrista Angus Young, marca registrada do AC/DC – e foram bater cabeça nos espetáculos ensurdecedores promovidos pela banda.

Álbuns “negros” não eram novidade no design de capas de discos (o Velvet Underground, sempre pioneiro, já havia lançado seu dificílimo White Light White Heat, em 1968, embalado por uma capa completamente preta), mas nenhum teve a popularidade – mais de 20 milhões de unidades vendidas somente nos Estados Unidos – e o alcance desta pedrada de 1980.

domingo, 18 de outubro de 2009

Tanto Tempo Longe de Você...

Foi necessário que se passassem quase 40 anos para que eu admitisse abertamente e, principalmente, para mim mesmo, que eu sou um dos milhões de apaixonados pela música de Roberto Carlos.

Durante toda minha infância, nenhum artista foi tão presente na minha casa quanto ele. Eu tinha a clássica tia hipocondríaca que só parava de falar em doença quando tocava alguma coisa de Roberto no rádio, as primas que colecionavam recortes de revistas, a irmã que sabia todas as letras, um primo que tocava no violão as canções que ele fez para a gente, outro que o imitava horrivelmente, enfim, tinha fã de todas as espécies por perto.

Mas chegou a adolescência e Roberto virou, para mim, o símbolo de tudo que estava errado com a música brasileira. Pô, o cara já havia sido o rei do rock no Brasil e, de repente, grava uma "coisa" como Caminhoneiro!

Para quem estava mergulhando de cabeça em Led Zeppelin e Rolling Stones, não havia mais sentido em ficar babando por uma figura que fazia especiais pavorosos todo final de ano na Rede Globo, lançava discos a cada natal como se fosse um burocrata batendo o ponto e ia se tornando um católico mais fanático a cada ano que passava - nada contra católicos, mas tudo contra fanáticos.

Só mais recentemente, com o Acústico MTV, é que eu fui redescobrir pérolas como Todos Estão Surdos e Debaixo dos Caracóis dos Seus Cabelos. Que muito além das músicas sobre mulheres gordas ou de óculos, havia experimentos com a soul music americana no final da década de 60 e início da de 70, que originaram temas até hoje bastante regravados como Eu Te Amo, Te Amo, Te Amo e Não Há Dinheiro Que Pague. E que nunca se escreveram versos tão bonitos em nosso cancioneiro como os de Detalhes e Cavalgada.

Na última sexta-feira, dia 16 de outubro, eu fiz de vez as pazes com esse passado mal resolvido, indo assistir ao meu primeiro espetáculo ao vivo do Rei.

Acho que só quem já esteve num show de Roberto pode entender plenamente o que é essa celebração emotiva, a comunhão de milhares de pessoas em torno de uma figura muito simples, de gestos comedidos e carisma gigantesco.

Ao longo de um set list que englobava desde sucessos da jovem guarda até o auge de suas músicas românticas, passando também pela fase mais brega de sua carreira, me peguei várias vezes com lágrimas aflorando aos olhos.

Voltei a ser menino sem dó nem piedade. Lembrei do meu avô, que morreu quando eu tinha 10 anos e de como minha mãe se emocionava quando ouvia Meu Querido, Meu Velho, Meu Amigo. Lembrei da Escola Classe da 304 Norte e de uma Brasília que não existe mais.

E isso tudo foi muito bom. Anos de terapia não teriam resolvido tão bem o que esse senhor fez por mim em apenas 2 horas!

Do alto de seus 50 anos de vida artística, Roberto Carlos permanece um caso de popularidade e paixão único em nosso país. Vendo-o, ao vivo, pude compreender tal fenômeno em sua totalidade.

Afinal, como já disse Caetano Veloso, não é à toa que a gente o chama de Rei...

quinta-feira, 15 de outubro de 2009

Meus Discos Preferidos: Dance e Eletrônico

1Os Embalos de Sábado À Noite. Vários
Movimento que surgiu do encontro de várias correntes alternativas e marginais, a discoteca fundiu hedonismo, swing negro e percussão latina num mesmo som. Quando ela saiu dos clubes gays e guetos sociais já estava um tanto diluída e pasteurizada. A trilha sonora do filme que consagrou John Travolta internacionalmente é, ao mesmo tempo, o ápice do estilo e o início da decadência. Os irmãos Bee Gees, claramente talentosos e inspirados, compuseram a maior parte das canções, mas há ainda espaço para bobagens típicas do período, como a versão “disco” da de Beethoven.

2Trans-Europe Express. Kraftwerk
A música do Kraftwerk é tão influente que alguns críticos mais apressados já o compararam aos Beatles. Obviamente que o raio de influência dos alemães é muito menor, mas também é claríssimo que o rap, o hip hop, a house, o tecno e a própria disco devem muito ao pioneirismo de discos como Radioactivity, Autobahn e este hipnótico Trans-Europe Express, para mim o auge de uma carreira inovadora e brilhante.

3Violator. Depeche Mode
O Depeche Mode começou como um grupo de electro-pop sem maior diferencial. Mas, quando gravaram o épico Music For The Masses, já estava claro que eles tinham um potencial que ia muito além de uma canção descartável como Just Can’t Get Enough (do primeiro disco, Speak And Spell). Violator é uma pequena obra-prima, delicada em sua tessitura eletrônica, atenta aos detalhes e rica em canções clássicas do repertório do grupo (estão aqui Enjoy The Silence, Personal Jesus e Policy Of Truth).

4Surrender. The Chemical Brothers
O bate estaca de 99% da música tecno é duro de aguentar. Mesmo numa boate muito animada, é barra suportar a repetição tribal por mais que 2 horas. Mas alguns discos do estilo subvertem essa realidade com muita criatividade e com a ousadia de misturar o baticum das máquinas com instrumentos “de verdade”, bons vocalistas e um toque de rebeldia tipicamente rock’n roll. É o caso deste ótimo disco da dupla inglesa, que trouxe para seu laboratório sonoro gente de peso como Noel Gallagher (guitarrista e principal compositor do Oasis) e Missy Elliott (cantora e compositora americana que está sempre um passo a frente de seu tempo).

5The Pleasure Principle. Gary Numan
Embora as músicas deste primeiro registro do músico inglês sejam perigosamente semelhantes entre si, é inegável que elas são também deliciosamente envolventes e charmosas. Estão aqui clássicos da música eletrônica como Cars, Engineers e a instrumental Airlane. Juntas, elas demonstraram que um disco podia ser completamente dominado por instrumentos eletrônicos e ainda assim soar humano e emocionante.

segunda-feira, 12 de outubro de 2009

Outras Notas Francesas

Na onda francesa da última postagem do Lázaro, aproveito aqui para viajar um pouquinho à mítica terra de Victor Hugo, Rodin e Truffaut.

Quando era criança, não existia nenhum país no mundo que exercesse um fascínio tão grande em mim quanto a França.

Para completar a paixão, aos 10 anos, ganhei uma bolsa de estudos de quatro anos para a Aliança Francesa brasiliense. Na época – início da década de 80 – o método da Aliança para crianças se chamava Bonjour Line. A cada aula, acompanhávamos as aventuras da menina Line e seus amiguinhos Alan e Paul, que viajavam pela França e encaravam situações dificilmente enfrentadas por criaturas de 9 anos de idade.

De qualquer maneira, o francês daqueles anos ficou um tanto enferrujado e o fascínio pela França caiu um pouquinho em sua original intensidade.

Já estive por duas vezes em Paris e, deixando de lado a famosa antipatia dos parisienses e o fato de que quase fui atropelado em um sinal vermelho bem pertinho da Torre Eifel (pelo menos seria um atropelamento em grande estilo!), me deslumbrei com a beleza inigualável da capital francesa como todo mundo, mas também me assustei com os preços astronômicos, com as atrações lotadas e com a inegável xenofobia dos locais.

Se é para escolher uma cidade, hoje fico com Barcelona (Espanha) ou o Porto (Portugal).

Mas a cultura francesa não morreu nas minhas predileções. Especificamente, no que se refere à música, tenho boas lembranças da época de Aliança, quando traduzir um clássico do cancioneiro francês era uma das atividades mais esperadas.

Foi assim que conheci nomes como Françoise Hardy (a minha preferida), Charles Aznavour, France Gall, Dalida (que, apesar de ser egípcia e cantar com um sotaque muito acentuado, gravou canções antológicas como Parole, Parole e Mourir Sour Scene ) e Johnny Haliday (este um dos primeiros astros do rock francês).

Muito mais tarde, fui apresentado à ótima dupla Les Rita Mitsouko, que, em seu som, fazia uma estimulante mistura de ritmos. Foi a primeira vez que percebi que a música francesa não era só Edith Piaf e Yves Montand (fora pálidas imitações de rock americano e inglês).

Recentemente, a descoberta da dupla Air, formada pelos músicos Nicolas Godin e Jean Benoit Dunckel, tem sido fonte de grandes prazeres.

O disco Moon Safari é, para mim, um dos melhores dos últimos dez anos, uma viagem a um mundo de doces melodias, vozes femininas lânguidas como só existem em discos franceses e teclados vindos diretamente da década de 70.

Nos seus discos seguintes, os rapazes não conseguiram atingir o cume de beleza de Safari, mas seguiram gravando trabalhos bastante interessantes.

Para quem quiser se aprofundar mais na moderna música francesa, recomendo fortemente o disco La Zizanie, da cantora Zazie. Sem barreiras musicais, Zazie incorpora à sua dance music aparentemente banal, elementos da clássica chanson francesa mesclados com modernos sons eletrônicos.

Quando ela entoa um verso como aux armes, citoyennes (às armas, cidadãs!), ela não está apenas fazendo um trocadilho com o hino francês. Está, antes de tudo, convocando uma nova ordem para a música francesa contemporânea.

Trés bien, ma cherie!

quarta-feira, 7 de outubro de 2009

Breves Notas Francesas

Por Lázaro Luis Lucas

1- Finalmente em DVD um dos filmes mais cultuados dos anos 70. Dirigido e escrito pelo poeta e cantor Serge Gainsbourg e estrelado por sua companheira Jane Birkin, Paixão Selvagem, produção cinematográfica de 1976, narra a história de Johnny, garçonete de aspecto andrógino que ganha a vida servindo o balcão de uma lanchonete em um desolador posto de gasolina.

Solitária e carente, envolve-se com o caminhoneiro homossexual Krassky, que a confunde, inicialmente, com um rapaz. Há, ainda, o inseguro e violento Padovan, amante de Krassky.

Inspirado na canção Je T'aime... Moi Non Plus, também de Serge Gainsburg, o filme e seus personagens parecem transitar em um episódio da série Além da Imaginação. Tudo soa irreal demais em Paixão Selvagem.

De forte apelo sexual, o filme ainda traz no elenco os atores Joe Dallesandro, Hughes Quester, Gerárd Depardieu e Michel Blanc.

A propósito, fãs do casal Gainsbourg-Birkin devem ficar atentos à programação do canal Eurochannel. Neste mês de outubro, o canal exibe o longa Slogan (1969), de Pierre Grimblat, filme que uniu artística e afetivamente esses dois ícones da cultura francesa dos anos pós-60. Com 90 minutos de duração, o filme será exibido nos dias 17, às 16h, e 18, às 02h.

2- E por falar em programação televisiva, duas agradáveis surpresas para os amantes do cinema francês são os canais Futura e Brasil, neste mês de outubro.

No canal Futura, a sessão Cine Conhecimento irá exibir, entre outros, obras consagradas do cineasta François Truffaut. Nos dias 09, 10 e 11, Os Incompreendidos (1959). 16, 17 e 18, O Amor em Fuga (1979). 23, 24 e 25, De Repente, Num Domingo (1983). Consta, ainda, do acervo do Cine Conhecimento, a obra A Mulher do Lado (1981). O primeiro e segundo filme aqui citados são, respectivamente, o primeiro e o quinto produzidos por Truffaut com o personagem Antoine Doinel, interpretado magnificamente pelo ator Jean-Pierre Léaud. Os outros filmes com o personagem são Antoine e Colette (1963), Beijos Proibidos (1968) e Domicílio Conjugal (1970). Já De Repente, Num Domingo é a obra que encerra a filmografia deste grande diretor francês - Truffaut viria a falecer em 1984 - e também uma homenagem ao cinema de Alfred Hitchcock, de quem era fã confesso. Fico aqui, devendo apenas os horários.

3- No Canal Brasil, haverá a apresentação do ciclo Um Certo Olhar Francês. Nos dias 10 (00h45 e 18h) e 11 (07h30), Acossado (1959), de Jean-Luc Godard. 17 (00h45 e 18h) e 18 (07h30), Estado de Sítio (1972), de Costa-Gravas. Nos dias 24 (00h45 e 18h) e 25 (07h30), Ascensor Para o Cadafalso (1958), de Louis Malle. E nos dias 31/10 (00h45 e 18h) e 01/11 (07h30), o pouco conhecido no Brasil A Garota dos Olhos de Ouro (1961), de Jean-Gabriel Albicocco. O ciclo segue no mês de novembro.

4- Uma boa dica para quem está interessado em conhecer o cinema do francês Eric Rohmer, de maneira leve e descompromissada, é a série de quatro filmes intitulada Os Contos das Quatro Estações. Composta por Conto da Primavera (1990), Conto de Inverno (1992), Conto de Verão (1996) e Conto de Outono (1998), a série é um primor em simplicidade e elegância.

Histórias de homens e mulheres, encontros e desencontros. O mote de Os Contos das Quatros Estações é o cotidiano sem grandes sobressaltos e os pequenos prazeres da vida, em torno dos amigos, da família e daqueles que desejamos. Simples assim.

Feitos em Casa

Por Lázaro Luis Lucas

Davi de Oliveira Pinheiro, Tiago Belotti e Rodrigo Aragão são três diretores de cinema brasileiros. E, como eles, deve haver outros. Fãs, provavelmente, de diretores como George A. Romero, Lucio Fulci, Ruggero Deodato e Umberto Lenzi, como também do cinema fantástico hardcore.

O que estes três meninos realizaram foi uma verdadeira proeza em se tratando de Brasil. Produzindo com recursos próprios e a ajuda de amigos, familiares e comunidade dirigiram, respectivamente, os longas Porto dos Mortos (Rio Grande do Sul, 2008), A Capital dos Mortos (Distrito Federal, 2008) e Mangue Negro (Espírito Santo, 2008).

Por não haver, nem remotamente, uma tradição de filmes de terror produzidos no Brasil - do subgênero filmes de zumbis, então, nem pensar -, o que esse pessoal vem fazendo pela nossa cinematografia é algo inédito e merecedor da atenção de todos nós, cinéfilos. E nem adianta pensarmos em José Mojica Marins.

À exceção da trilogia do Zé Caixão, composta pelos longas À Meia-Noite Levarei Sua Alma (1964), Esta Noite Encarnarei no Teu Cadáver (1967) e Encarnação do Demônio (2008), e um ou outro elemento sobrenatural em suas obras, a filmografia desse cineasta, e também ator, é tão autoral e diversa que classificá-lo como diretor de filmes de terror é manifestar abertamente desinformação em relação a este grande diretor brasileiro.

Portanto, seja por falta de talento dos veteranos em se aventurar em outras pastagens ou puro preconceito, o Brasil não possui uma cinematografia baseada no fantástico. Pelo menos, até agora.

Como os demais produtores de cinema deste país, esses três diretores também enfrentam problemas para distribuir seus filmes. Aqui no Distrito Federal, mesmo, apenas A Capital dos Mortos teve distribuição garantida nas locadoras de vídeo, por meio da própria produtora, a Vortex Filmes. Nos cinemas, apenas exibições especiais e esporádicas.

Quanto aos outros dois títulos citados, apenas Mangue Negro pode ser conferido por aqui. E por meio da pirataria. Aquela... que financia o crime organizado.

No Brasil, é assim, por meio de distribuidoras de home video, podemos contar com inúmeras dessas produções vindas dos EUA e Canadá. Filmes produzidos nos mesmos moldes dos nossos, além de tranqueiras da Tailândia e porcarias produzidas pelo SciFi Original Movies.

No entanto, não há espaço para apoiar todos esses novos realizadores, divulgando-os e lançando suas obras em todo território nacional. Saem perdendo os fãs desses filmes e a cultura brasileira como um todo.

Com direção, roteiro e edição do próprio Rodrigo Aragão, Mangue Negro é um dos melhores exemplares dessa safra, que deve contar com inúmeros outros títulos desconhecidos por mim.

Com forte influência de Sam Raimi e o seu Uma Noite Alucinante (1987), este misto de filme de zumbi e de canibal com roteiro ecologicamente correto, capricha no gore, presenteando os fãs do gênero com muitos corpos em decomposição e órgãos internos expostos.

O filme, obviamente, apresenta falhas no roteiro e acaba sendo um pouco longo demais - uns vinte minutos a menos em nada comprometeria o trabalho - mas, afinal de contas, é uma obra de estreia e nem todo mundo é um Orson Welles.

Outro ponto negativo é a pesada maquiagem usada pelos atores André Lobo, Maurício Ribeiro e Ricardo Araújo, que acaba reforçando, ainda mais, o tom caricato das interpretações.

Os aspectos positivos de Mangue Negro são a impressionante trilha sonora de Jaceguay Lins, a quem o filme é dedicado, o bom uso cenográfico do mangue, as atuações acima da média da maioria dos atores e a vontade louca de Rodrigo Aragão em agradar os fãs desse cinema, comportamento raríssimo em nossos diretores.

Discos e Arte

Alcançar uma identidade musical única é, sem sombra de dúvida, o sonho de dez entre dez músicos.

Mas, alguns artistas vão além dessa ambição e criam para si mesmos uma identidade visual muito particular. Isso se reflete tanto nas roupas e na produção cênica quanto na criação de capas para os discos.Um dos primeiros grupos a pensar sua obra como um todo artístico, em que a parte visual complementa a musical, foi o grupo inglês de rock progressivo Yes.

A maior parte dos álbuns lançados pelo grupo na década de 70 teve projeto gráfico desenvolvido pelo artista Roger Dean, que criou para a banda um universo mitológico, onírico e imaginativo.

Para os fãs do Yes é impossível pensar num disco como Relayer sem viajar na ilustração da capa.Também na década de 70, partindo para um estilo completamente diferente, está o Roxy Music e suas capas com mulheres em cliques sensualíssimos.

Com exceção de Manifesto e Avalon (este, meu Roxy Music preferido), todos os discos do grupo de Bryan Ferry apresentam modelos que, apesar de muito diferentes, formam um conjunto de musas entre o sofisticado e o quase pornográfico.

Jerry Hall, ex-senhora Mick Jagger, aparece como uma sedutora sereia na capa do disco de 1975, Siren, e nos prepara para um delicioso mergulho em algumas das melhores canções do RoxyLove Is The Drug e Sentimental Fool, incluídas.

Na década seguinte, duas bandas criaram uma identidade visual que marcou indelevelmente os anos 80: The Smiths e Echo & The Bunnymen.

O primeiro estabeleceu uma estética de cores frias, fotografias antigas e culto a figuras do passado que originou capas inesquecíveis como a de The Queen Is Dead (com o ator francês Alan Delon, quase irreconhecível em meio a uma bruma verde) e a de seu disco de estréia, uma imagem que associou para sempre o grupo a uma sensibilidade homossexual muito refinada e erudita, graças à foto do ator cult Joe Dalesandro.

Já o Echo & The Bunnymen partiu para uma elaboração mais naturalista de suas capas. Nos quatro primeiros LP’s dos Coelhinhos, eles aparecem inseridos em lindas paisagens, que vão de uma geleira na Islândia (Porcupine) até uma praia deserta na Inglaterra (Heaven Up Here).

Esse visual glacial ajudou, e muito, a construir um mito em torno do grupo de Liverpool que, apesar disso, nunca esqueceu que o fundamental era mesmo a música.

É só conferir The Killing Moon e All My Colours para perceber que as capas eram apenas introduções a um universo de mágicas canções.

Entre bandas mais recentes, me vêm à lembrança duas: Weezer e Belle & Sebastian.

Enquanto o Weezer fez uma sequência de capas em que o grupo aparece fotografado sem maiores artifícios, normalmente sobre um fundo de cor única (daí seus discos serem conhecidos como “álbum azul”, “álbum verde” etc), o Belle & Sebastian bebe na fonte dos Smiths e cria capas em sintonia espiritual com os anos 80, mas atualizando-os com uma algum cinismo e uma dose de humor.

terça-feira, 6 de outubro de 2009

O Síndico da Voz Insuperável

Falei de Tim Maia em minha última postagem, porque tenho escutado os dois primeiros discos do músico carioca sem parar nos últimos meses. Isso é bastante inusitado porque nunca gostei de Tim Maia.

Na década de 80, quando comecei a me interessar seriamente por música, Maia era o cantor de vozeirão grave de sucessos radiofônicos que eu considerava insuportáveis, como Me Dê Motivo, Um Dia de Domingo (dueto com Gal Costa) e Vale Tudo (esta com Sandra de Sá).

Dada a qualidade questionável de tais canções, Tim Maia virou, para mim, sinônimo de baba ou música dançante esquecível.

Mas o tempo está aí para corrigir tais absurdos. A descoberta da fase 70 de Tim Maia tem sido um dos grandes achados recentes em minha vida.

Não vou discutir aqui suas excepcionais qualidades vocais. Tim Maia é o maior cantor pop brasileiro e ponto. Não tem para Milton Nascimento nem Djavan.

Ninguém nunca cantou com tamanha desenvoltura, emoção e potência. Escutar uma música como Você nos faz pensar que a música brasileira já foi completa: arranjo impecável, bela letra e uma voz que só encontra paralelo nos maiores mestres do soul americano.

Aliás, penso que Tim nasceu no país errado. Tivesse nascido americano teria sido aclamado como um dos maiores de seu tempo, gravado discos que seriam referência para a história da música, além de, provavelmente, ter ficado muito rico.

Como nasceu brasileiro, numa família numerosa, teve de enfrentar todas as dificuldades de ser um músico negro, com uma sonoridade muito particular, que misturava Black Music com forró e rock (isso décadas antes dos Raimundos!). Não que o público não tenha entendido. Tim Maia sempre foi um artista popular e querido pelos brasileiros.

Mas sua vida turbulenta, desregrada e excessiva, o tornou uma figura meio tragicômica. Sua morte precoce, aos 55 anos, deixou uma lacuna na MPB que dificilmente será preenchida.

Os dois discos que Tim gravou no início da década de 70 permanecem duas obras-primas de inigualável qualidade musical e vocal.

Uma lição para o pretensioso sobrinho de Tim, Ed Motta, que sempre arrotou ambições absurdas, mas nunca gravou nada que chegue aos pés da obra do tio.

segunda-feira, 5 de outubro de 2009

É Primavera...

Tim Maia, lá no início da década de 70, em seu histórico álbum de estréia, cantava belamente: É primavera/Te amo/Trago essa rosa/Para te dar...

As estações do ano já inspiraram belíssimas canções, desde Summertime, eternizada por Janis Joplin até California Dreaming, canção para uma tarde fria de inverno, entoada pelos rapazes e moças do The Mamas And The Papas.

A primavera se estampa lindamente nas capas floridas de discos como Essence de Lucinda Williams, Power Corruption And Lies, do New Order , Flowers, dos Rolling Stones e O Descobrimento do Brasil, em que os rapazes da Legião Urbana posam em meio a um belo jardim florido, além do colorido exuberante presente em obras como Universo Ao Meu Redor, de Marisa Monte, Disraeli Gear, do Cream, Sg. Peppers Lonely Hearts Club Band, dos Beatles, Abraxas, de Santana e tantos outros.

Aqui no Brasil, país em que, a grosso modo, só existem duas estações: uma quente e chuvosa, e outra quente e seca, os letristas adoram falar de flores, chuvas e doces manhãs de setembro.

É o caso dos Titãs e seu grande sucesso Flores (originalmente gravada no disco ÕBLESQBLON e depois recauchutada para o Acústico MTV, com excelente participação de Marisa Monte), do Ira, com Flores Em Você, que chegou, inclusive, a ser usada como tema de novela da Rede Globo e de Djavan, com Pétala, verdadeira obra-prima que encerra este texto primaveril, causando arrepios no peito:
O seu amor
Reluz
Que nem riqueza
Asa do meu destino
Clareza do tino
Pétala
De estrela caindo
Bem devagar
Ó meu amor
Viver
É todo sacrifício
Feito em seu nome
Quanto mais desejo
Um beijo seu
Muito mais eu vejo
Gosto em viver, viver...
Por ser exato
O amor não cabe em si
Por ser encantado
O amor revela-se
Por ser amor
Invade
E fim