quinta-feira, 26 de agosto de 2010

O Amor e a Cidade


Na canção Vambora, a cantora Adriana Calcanhoto diz que tem o cheiro da pessoa amada “dentro de um livro”.


Músicas, filmes e livros são realmente pequenas urnas nas quais depositamos recordações, cheiros, vozes, amores e ressentimentos.


Acho que, por acreditar nisso, me apaixonei de maneira tão intensa pelo filme Paris, Je T’aime. Composto de historietas de cinco minutos dirigidas por realizadores de várias nacionalidades, o filme presta uma homenagem terna a uma cidade que pode se gabar de ser a mais romântica do mundo.


Mas o filme não é exatamente uma comédia romântica ou mesmo um filme de amor. Em meio a tantos sentimentos abordados é a solidão e o desamparo que sobressaem de forma mais contundente. Sobretudo no último trecho, no qual uma americana narra num francês macarrônico sua primeira viagem à capital francesa.


Em apenas cinco minutos, um verdadeiro mundo de emoções aflora num texto tão lindo que só de me lembrar, fico arrepiado. Naqueles momentos finais de um filme já memorável, me reconheci na solidão e na tristeza da personagem. Mas, junto com ela, relembrei também a felicidade de descobrir uma cidade que ilumina a vida de quem já esteve ali para sempre.

terça-feira, 24 de agosto de 2010

"The Songs That Saved Your Life": as melhores canções de Morrissey e The Smiths


1 I Know Is Over (The Smiths): a peça central de um dos melhores discos de todos os tempos, a terceira faixa de The Queen Is Dead disseca com poesia e arranjo impecável a celebrada dificuldade de Morrissey em lidar com o amor, seja no plano espiritual, seja no físico. Há uma versão ao vivo no álbum Rank que expande as possibilidades da canção, levando-a a picos de beleza ainda maiores.

2Seasick, Yet Still Docked (Morrissey): se The Queen Is Dead é a obra-prima dos Smiths, Your Arsenal é o ápice da carreira solo de Morrissey. Todas as canções do disco são excelentes, rocks redondinhos e espertos, mas Seasick... se impõe por sua delicadeza e tom confessional.

3How Soon Is Now (The Smiths): uma das canções-chave do rock inglês da década de 1980, este compacto que viria a integrar o álbum Hatfull of Hollow é, até hoje, uma das músicas mais influentes compostas por Morrissey/Marr. O trabalho de guitarra de Johnny Marr foi imitado e homenageado à exaustão, mas jamais igualado. Inclusive por ele próprio.

4The More You Ignore Me, The Closer I Get (Morrissey): à medida em que sua carreira solo progredia, Morrissey foi confirmando sua fama de Oscar Wilde do rock independente. Suas letras variam do escárnio ao cinismo, passando por momentos de puro romantismo desesperado. Esta música é um dos seus melhores momentos, uma perfeita combinação desses dois extremos.

5Panic (The Smiths): uma canção que não perdeu nada de sua atualidade. Impossível não concordar com Morrissey quando ele nos conclama a enforcar os estúpidos DJ’s que nos obrigam a escutar as mesmas porcarias dia após dia.

6 Everyday Is Like Sunday (Morrissey): Viva Hate, o primeiro solo de Morrissey, surpreendeu muita gente que não esperava nada de Morrissey sem Johnny Marr. Não só o recluso vocalista mostrou personalidade própria como ainda cravou dois verdadeiros clássicos em nossos corações órfãos: Suedehead e Everyday Is Like Sunday, esta última uma lindíssima evocação de dias cinzentos e manhãs morosas passadas diante do mar.

7I Won’t Share You (The Smiths): esta canção pouco conhecida dos Smiths é a faixa de encerramento do último disco da banda, Strangeways Here We Come. Simples e emocionante, confirma a crença de que o melhor é sempre guardado para o final.

8November Spawned A Monster (Morrissey): muita gente considera este o mais refinado momento do Morrissey pós-Smiths. A letra fala mais uma vez de pessoas desprezadas, tímidas e rejeitadas. No final, entretanto, Morrissey se permite algum otimismo: qualquer dia desses, sua maltratada personagem sairá por aí feliz da vida, vestida com as roupas que ela mesma escolheu.

9 There Is A Light That Never Goes Out (The Smiths): é difícil falar de The Smiths sem mencionar esta canção. Seja pela letra sublime, seja pelo arranjo orquestral inesquecível, tudo em There Is A Light... é clássico, imortal, perfeito, emocionante etc etc etc.

10 Come Back To Camden (Morrissey): outro momento arrepiante da pena afiada de Morrissey, Come Back... é a balada definitiva de um álbum, You Are The Quarry, em que boas baladas são abundantes.

sexta-feira, 20 de agosto de 2010

Canção Essencial


A revista inglesa Q, em sua última edição, lista 1001 canções imprescindíveis em qualquer boa coleção.

Entre músicas escolhidas por figuras como os comediantes Ricky Gervais e Russel Brand (autor de um belo artigo sobre Morrissey e The Smiths) e por músicos das mais diversas áreas, uma foi eleita pela própria revista como a única que não pode faltar em nenhuma coleção: Good Vibrations do grupo americano The Beach Boys.

Lançada em plena efervescência da psicodelia, época em que LSD era consumido como se fosse balinha de hortelã, Good Vibrations foi o último grande sucesso dos Beach Boys, antes de Brian Wilson, gênio e louco do grupo, pirar de vez.

Em apenas três minutos são condensadas todas as experiências musicais levadas a cabo pelos artistas da época. São tantas idéias juntas que, muitas vezes, fica a impressão de que a música poderia durar uma hora. Wilson inclusive dizia que sua ambição era compor sinfonias adolescentes para Deus.

Com Good Vibrations ele chegou lá. Se Deus a escutou, é impossível dizer, mas para nós, pobres mortais, é a verdadeira prova de que Ele, de fato, existe.

quinta-feira, 19 de agosto de 2010

Do Trip Hop para o Universo


O Massive Attack foi um dos grupos mais influentes e instigantes da década de 1990. Seus três discos lançados então – Blue Lines, Protection e Mezzanine – são nada menos que obras-primas.


Rotulados como um grupo de trip hop, o Massive está muito além de qualquer barreira imposta por categorizações.


Na sonoridade arrojada do grupo formado na cidade de Bristol, na Inglaterra, entram reggae, hip hop, música eletrônica e rock, numa mistura absolutamente única. No meio de sua oficina de lapidação de pedras preciosas, brilham vocalistas convidados do naipe de Shara Nelson (que eternizou sua voz na maravilhosa Unfinished Sympathy), Tracey Thor (magnífica em Protection e The Hunter Gets Captured By The Game) e o permanente colaborador Horace Andy, este um capítulo à parte. Veterano cantor de timbre peculiar, Horace foi resgatado da obscuridade para emprestar seu vocal inconfundível a pérolas como Man Next Door e Angel.


Os anos 2000 viram um Massive Attack excessivamente sombrio e sorumbático no disco 100th Window, um trabalho que, mesmo contando com Sinéad O’Connor, não disse muito a que veio.


A redenção vem sete anos depois, com o excepcional novo trabalho, Heligoland. Horace Andy está de volta, além de Damon Albarn (Blur) e Guy Garvey (Elbow), que dão um sabor ainda mais inusitado ao som de Dej Naja e Marshall – o núcleo do grupo.


Cada canção é uma obra cuidadosamente burilada, num artesanato musical cada vez mais sofisticado e raro em nossos dias.


O Massive Attack está de volta. E desta vez mais em forma do que nunca.

quarta-feira, 18 de agosto de 2010

Escorpiões sem veneno



A propósito da iminente visita do grupo alemão Scorpions ao Brasil (em Brasília a apresentação acontecerá em 22 de setembro), devo confessar, com um tantinho de incredulidade, que já fui muito fã.


Lembro, especialmente, de um disco duplo ao vivo chamado World Wide Live que era simplesmente o Santo Graal do rock pesado para minha imaginação de 15 anos de idade. Eu e minha prima Aldeniza (cadê você, mulher?) escutávamos os quatro lados do vinil embasbacados com tamanho peso: as guitarras altíssimas, os vocais impecáveis de Klaus Maine, o ritmo destruidor, enfim um verdadeiro deleite. Até quando faziam baladas – quem não se lembra da mega-ultra-super balada Still Loving You? – o grupo caprichava na batida forte e intensa.


Bem, os anos se passaram e eu acabei descobrindo que o Santo Graal era um pouquinho mais difícil de se encontrar, mas a busca trazia recompensas incríveis. E nisso a velha picada dos escorpiões ficou perdida em meio aos discos guardados. Até que um dia escutei no rádio a balada Wind Of Change. Quase não consegui acreditar que aquele grupo que tanto me havia fascinado podia ser tão bundão e brega. Aquele assobio no início e no final da música era simplesmente inadmissível! Voltei correndo para o meu querido World Wide Live e – surpresa! – não é que o veneno tinha se perdido para sempre?


Pois é. O tempo não perdoa nada. A atual turnê foi anunciada como a última. Quem é fã de rock sabe que quase todo grupo tem pelo menos umas três últimas turnês antes de se aposentar por morte ou coisa parecida. De qualquer maneira, prefiro manter distância.


Melhor lembrar do Scorpions como aquela banda que abriu as portas do rock pesado para mim. Ao menos este mérito eles tiveram...

terça-feira, 17 de agosto de 2010

Música e Política


As eleições estão aí e, ainda que se sinta no ar uma total descrença em relação à política, o fato é que não se pode escapar muito do assunto.

Eu, de minha parte, ando com tamanho abuso de candidatos, novatos ou veteranos, que até ver um santinho colado no retrovisor do carro me causa náusea. O jeito é escutar alguns discos nos quais boa música e política andam de mãos dadas.

O namoro entre temas políticos e música é longo e remonta aos trovadores folk que, munidos apenas de um violão, desafiavam o status quo com muita poesia, revolta e desejo de mudança. Um dos pais do gênero, o cantor Woody Guthrie, tinha a frase “esta máquina mata fascistas” gravada em seu violão.

Não por acaso, um dos herdeiros mais importantes de Woody é Bob Dylan, músico que expandiu a paleta de temas do rock, abrindo espaço para canções de protesto, críticas agudas aos poderes estabelecidos e libelos contra as guerras.

John Lennon escutou e certamente teve um choque. Embora em sua emblemática canção God, na qual declara sua descrença em relação a todos os credos, fale claramente que não mais acredita em Dylan, não pode existir dúvida que a escrita daquele foi fundamental na transformação operada nas letras e nos posicionamentos do ex-Beatle.

Lennon, aliás, enfrentou problemas com as autoridades americanas por conta de sua oposição à guerra do Vietnã e à política bélica americana. Ainda que muitas de suas formas de protestos hoje pareçam um tanto ridículas (ficar deitado por dias num quarto de hotel? Eu heim...), não se pode negar a influência de canções pacifistas como Imagine e Happy Xmas (War Is Over).

A década de 70 foi pródiga em artistas que saíram de seus casulos para questionar a realidade circunstante. Do reggae de Bob Marley ao punk do The Clash, muita gente reclamou para o rock uma posição de destaque na luta pelos direitos civis. Discos clássicos dessa vertente são What’s Going On (Marvin Gaye), Innervisions (Stevie Wonder), Superfly (Curtis Mayfield), Exodus (Bob Marley), o primeiro do The Clash, Entertainment (Gang Of Four) e Fresh Fruit For Rotting Vegetables (Dead Kennedys), os dois últimos já na década de 1980.

Os tempos atuais, embora mais céticos e cínicos, não têm se furtado ao enfrentamento de arbitrariedades e desmandos em geral.

O governo do ex-presidente americano, George W. Bush, por exemplo, foi um prato cheio para músicos das mais variadas vertentes. Até um gênero tradicionalmente mais alienado como o country encontrou no grupo feminino Dixie Chicks uma voz contra as guerras arquitetadas pelo doce Bush. American Idiot (Green Day), Living With War (Neil Young), At War With The Mistics (The Flaming Lips), The Rising (Bruce Springsteen), Around The Sun (R.E.M.) e New Wave (Against Me!) estão entre os muitos trabalhos que escancararam a hipocrisia e a violência da administração Bush. Alguns capturaram a insatisfação de parte dos americanos com sucesso (American Idiot e The Rising), enquanto outros apenas geraram revolta nos setores mais conservadores da sociedade (Living With War), o que, de qualquer forma, devia ser o objetivo primeiro dos seus autores.

Entre acertos e erros, no entanto, a nova onda de discos políticos foi fundamental para reestabelecer o rock como plataforma de idéias e veículo de mensagens de insatisfação.

quarta-feira, 4 de agosto de 2010

Doces Vozes: Kate Bush

Assim como a maioria das pessoas, conheci Kate Bush por meio da canção Wuthering Heights. Adaptação da trágica história de amor entre Heathcliff e Cathy, protagonistas do romance O Morro dos Ventos Uivantes, de Emily Bronte, a canção fez a fama mundial de Kate – na época com apenas 20 anos de idade – mas também a rotulou como cantora de um sucesso só. Injustiça: Kate tem uma obra importante e influente que vem sendo redescoberta por novas gerações de músicos e ouvintes.

Seu disco de 1985, Hounds Of Love, é considerado um verdadeiro marco do pop inglês da década de 80, uma mistura excitante de experimentalismos musicais, sonoridades celtas e poesia clássica. Na faixa Running Up That Hill e na canção-título Kate faz uma síntese impecável de tudo isso.

Também gosto muito do disco Aerial, um trabalho duplo mais suave e delicado, mas igualmente belo. Aerial é, até agora, o último lançado por Kate. Como ela costuma dar intervalos longos entre seus álbuns – foram 14 anos entre os discos The Red Shoes e Aerial – ainda podemos esperar muito desta artista instigante e imprevisível.

segunda-feira, 2 de agosto de 2010

Rádio Pirata

Toquem o meu coração
Façam a revolução
Está no ar, nas ondas do rádio
No submundo repousa o repúdio
Que deve despertar
Rádio Pirata, RPM


No Reino Unido da década de 1960, em plena efervescência da beatlemania, as rádios oficiais britânicas tocavam uma porcentagem mínima do rock e do pop produzido nas Ilhas e na matriz americana.

Em socorro de uma nação sedenta por renovação musical, navios navegando as águas do Mar do Norte transmitiam uma programação musical totalmente voltada para o novo estilo da juventude da época.

Essas rádios, que ficaram conhecidas como rádios-piratas, divulgaram novos artistas tanto das Ilhas Britânicas quanto os vindos dos Estados Unidos, mas foram perseguidas e combatidas pelo sisudo Parlamento Inglês, assim como os antigos piratas dos mares o foram pela Marinha de Sua Majestade.

É esse o pano de fundo - real - do enredo do filme Piratas do Rock (The Boat That Rocked, Inglaterra, 2009). A trama romantiza o estilo de vida alternativo e contracultural dos dj’s, vistos aqui como verdadeiros heróis dispostos a tudo para levar seus ídolos ao carente público inglês. É claro que há muita liberdade poética e nem sempre a trilha sonora corresponde ao período em que se passa a história (1966).

Aliás, a trilha é um capítulo a parte: de The Kinks a Rolling Stones, passando por Beach Boys e The Hollies, o filme faz um passeio por uma época dourada da música jovem, na qual atitude e rebeldia caminhavam lado a lado com talento e criatividade.

Um filme para se ver com o volume da televisão ligado no máximo.