
Não há quem não faça. Sempre que algum produtor de cinema e/ou televisão resolve adaptar uma obra literária, aquele cinéfilo que também aprecia um boa leitura, não consegue resistir à tentação de comparar o resultado final visto nas telas com o livro que serviu de base para a adaptação. E o veredito, quase sempre, é o mesmo: o livro é melhor.
Em alguns casos mais extremos, só gosta do filme quem desconhece a obra original. E tudo isto não deixa de ser uma verdade. Mas não é absoluta.
Acredito que desde que surgiu o cinema tal como o conhecemos - e o mesmo deve ter ocorrido com a TV -, surgiram também as adaptações de obras literárias. Romances, textos compostos originalmente para o teatro, poemas.
Todo e qualquer tipo de material escrito já deve ter sido usado como base para um roteiro. Podemos encontrar, só para se ter uma ideia, o livro Frankenstein: Or The Modern Prometheus, de Mary Shelley, escrito entre 1816-1817, adaptado em curta-metragem para o cinema, já em 1910, por Thomas Edison. O cinema tinha apenas 15 anos à época.
William Shakespeare, as irmãs Brontë, Stephen King, Nelson Rodrigues, Michael Crichton, John Grisham, Edgar Allan Poe, Graciliano Ramos, J. K. Rowling, J. R. R. Tolkien, Aleksei Tostoy. A lista é infindável.
Acredito que existam, pelo menos, três formas de adaptação cinematográfica. A primeira seria a adaptação ao pé da letra. Aqui, busca-se se preservar ao máximo o conteúdo do texto original. Obras literárias já lançadas com ambições a roteiros cinematográficos abrem ampla vantagem em comparação às demais. Mas o cinema não é matemática. O que funciona muito bem com o simpático bruxinho de J. K. Rowling revela-se um desastre em O Caçador de Pipas (Marc Forster, 2007).
A segunda seria a tirando de letra. Aqui, o que vale são as regras do mercado. Muda-se o que for preciso. O importante é fazer dinheiro. Creio eu que os produtores de cinema e TV pensam, e com certa razão, que uma coisa é um leitor interessado em uma boa leitura. Outra coisa é o pagante de cinema que, nas maioria das vezes, está ali apenas para se entreter por uns 90 minutos. Enquanto o primeiro sabe exatamente o que está lendo, o segundo, quase sempre, nem está informado sobre o tema do filme. Sabe apenas que é uma comédia com Selton Mello. E é ao segundo que o filme, e não o livro, tem de agradar.
Não posso deixar de pensar aqui em Fernando Meirelles e na adaptação que fez de Ensaio Sobre a Cegueira (José Saramago, 1995). Optando pela fidelidade a um dos livros mais impressionantes que eu já li, foi ignorado, injustamente, nas bilheterias de vários países do mundo. Às pressas, produtores e diretor fizeram o possível para atrair o público aos cinemas. Perda de tempo. O filme Ensaio Sobre a Cegueira foi perseguido até por quem não o havia visto. E nem poderia fazê-lo.
A terceira forma de adaptar um texto para o cinema é o letras mortas. Nesta modalidade, preserva-se o mínimo indispensável para que o público o reconheça enquanto uma adaptação cinematográfica de um livro. O resto ignora-se, até segunda ordem. Não há exemplo melhor que a franquia 007 para ilustrar. Concebido por Ian Fleming, o agente britânico com licença para matar adquiriu vida própria no cinema. Com 22 filmes oficiais e um não-oficial já lançados nas telas, a série é uma das mais bem sucedidas na história da sétima arte. Afinal, seu nome é Bond, James Bond.
Abaixo, apresento três obras-primas da literatura de língua portuguesa que foram convertidas em três obras-primas do cinema brasileiro. Em minha opinião, claro:
1 - Vidas Secas (Graciliano Ramos, 1938)
1' - Vidas Secas (Nelson Pereira dos Santos, 1963)
2 - A Hora da Estrela (Clarice Lispector, 1977)
2' - A Hora da Estrela (Suzana Amaral, 1985)
3 - Ensaio Sobre a Cegueira (José Saramago, 1995)
3' - Ensaio Sobre a Cegueira (Fernando Meirelles, 2008)