terça-feira, 10 de fevereiro de 2009

Nunca Falha

Mais cedo ou mais tarde, todo colecionador se coloca diante da questão fundamental: qual é meu disco preferido? Como escolher, numa montanha de objetos, que representam não apenas músicas, mas também memórias e momentos de nossa vida?

Acho que o mais fácil é realmente partir para uma compartimentação desse caos emocional, separando tudo em categorias. O disco que mais lembra aquela viagem inesquecível; aquele que está totalmente vinculado a sua adolescência, a descoberta da sexualidade, ao primeiro amor e a primeira decepção; aquele que te recorda das grandes alegrias. E aquele outro que ainda traz o gosto amargo das pequenas tristezas.

Mas, às vezes, não é tão difícil assim. Existe AQUELE disco na sua vida. Aquele que mudou tudo e que ainda hoje você escuta com um prazer inigualável. Para mim, esse disco é THE QUEEN IS DEAD, o álbum que os Smiths lancaram em 1986, e que transformou o rock oitentista.

Para quem tem entre 30 e 40 anos, e curte musica, a década de 80 se tornou um período um tanto mágico, quase mitológico. Foi o auge do rock brasuca e, particularmente, do rock saído de Brasília. Legião Urbana, Capital Inicial e Plede Rude fizeram história e definiram uma época.

Lembro perfeitamente da minha ansiedade para que a revista Bizz chegasse às bancas, com todas as dicas dos melhores lançamentos, dos discos fundamentais - a discoteca básica, última seção da revista, que eu adorava; as novas bandas, as entrevistas que recheavam o meio da publicacão, enfim.

Não existia internet, a MTV só chegaria na decada de 90. E o mercado fonográfico ainda não sabia o que fazer direito com o potencial daquela molecada louca por consumir rock. E, assim, os discos foram saindo aos pouquinhos. Low Life do New Order, Crocodiles do Echo & The Bunnymen, Tinderbox da Siouxsie, os primeiros do U2.

Os Smiths já chegaram por aqui com uma aura de gênios. A imprensa brasileira, que sempre babou um pouco pelos ingleses, deixava todo mundo com água na boca.

Mas, e os discos? O primeiro que eu escutei nao foi o Queen is dead, mas o Hatful of Hollow, uma espécie de compilação de coisas que eles haviam gravado para o radio; e musicas novas, que traziam a maravilhosa Please Please Please Let Me Get What I Want.

O problema era como conseguir os demais. Grana para disco, era uma coisa rara lá em casa, mas minha irmã já trabalhava e, um belo dia, chegou com um presente para o irmão caçula. Ah, a sensação de segurar aquela obra de arte entre minhas mãos! Eu, finalmente, tinha The Queen Is Dead.

A belíssima capa, com uma foto esverdeada do ator francês Alan Delon, no auge da juventude, a sucessão de clássicos e a música mais linda que eles já gravaram: There's a Light That Never Goes Out (aquela dos versos and if a double-decker bus/ crashes into us/ to die by your side/such a heavenly way to die). Tudo em The Queen Is Dead é perfeição, beleza e poesia.

Morrissey, assim como Renato Russo, abriram um mundo de possibilidades literárias para mim. Descobrir que havia uma conexão entre os versos desencantados de Moz e os poetas românticos que eu estudava no segundo grau, foi uma revelação sobre os fascinantes caminhos que a arte traça, e de como o artista carrega em si o peso da tradição e a capacidade de renovar tudo ao seu redor.

No ano seguinte, os Smiths já não existiriam. Foi uma carreira curta, apenas 4 discos e algumas coletâneas, mas suas músicas e discos permanecem. Após um período de certo ostracismo, o mundo viu surgir bandas que se referenciavam diretamente a Morrissey, Johnny Marr, Andy Rourke e Mike Joyce.

A justiça tarda. Mas, nunca falha.

4 comentários:

barbra brusk disse...

the queen is dead não é o meu favorito, nem sei se eu consigo escolher um favorito, mas é muito querido porque lembra os queridos que o têm como tal, que não são poucos.

e sobre a sua seleção beatlemaníaca ali em cima, golden slumbers é a maior covardia pra mim. me trai. É BOM DEMAIS.

Luis Valcácio disse...

Existe uma versao para Golden Slumbers de um cara chamado Ben Folds que mata, de tao linda. Pode ser encontrada na trilha sonora do filme I Am Sam, que se compoe inteiramente de covers dos Beatles. Vale conferir.

Anônimo disse...

Muuuuuuuuuuuuito legal vc citar a revista Bizz ! Eu também ficava fissurada esperando chegar o novo número ! Naquela época pré-MTV e pré-internet, só restava "garimpar" as bancas atrás de alguma notícia sobre nossos artistas preferidos e a revista Bizz marcou mesmo !
Um abraço da nova fã do seu blog,
Alice
(Uma sugestãozinha ... Se vc tiver alguns números da Bizz, quem sabe não disponibiliza as capas ou os downloads completos ???)

Luis Valcácio disse...

Valeu, Alice!
Sabe que, por coincidência, dia desses estava folheando uma Bizz de 1986?! Era muito legal!
Não sei como funciona essa coisa de direitos autorais, mas vou pensar na possibilidade de escanear ao menos as capas das revistas. Realmente seria uma viagem publicá-las aqui.