terça-feira, 13 de abril de 2010

Cafonas, Canalhas e Cachorros

Emocionante, curioso, por vezes engraçado, mas antes de qualquer coisa, extremamente profundo e ousado, o livro do jornalista e historiador Paulo Cesar de Araújo, Eu Não Sou Cachorro, Não - Música Popular Cafona e Ditadura Militar, Ed. Record, 2002, é um documento fundamental para se entender a história recente da música brasileira.

No seu intrincado, porém jamais complicado, jogo de conexões entre os tempos barra pesada dos anos de chumbo dos governos militares e a difícil tarefa de centenas de artistas brasileiros de tentarem produzir sua arte sem esbarrar na famigerada censura, surgem anedotas, histórias surpreendentes e, sobretudo, casos reveladores da personalidade de nomes hoje considerados monstros sagrados da nossa MPB.

Enquanto artistas classicamente etiquetados como de esquerda como Chico Buarque, Caetano Veloso, Gilberto Gil e Gonzaguinha passaram para a História como mártires de um período de violenta perseguição e de atentado contra a liberdade de expressão artística, outros como Waldick Soriano, Odair José, Agnaldo Timóteo e Nelson Ned entraram no imaginário coletivo como cantores de gosto duvidoso, bregas, cafonas. Pior: eles foram, numa época de cerceamento das liberdades individuais e coletivas, considerados artistas alienados, colaboracionistas e apáticos.

Araújo coloca, com precisão e coerência, todos estes mitos por terra: nem os chamados artistas de esquerda foram tão destemidos e corajosos assim ( a cantora Elis Regina, por exemplo, chegou a gravar uma propaganda especialmente encomendada pelo Governo), nem os chamados cafonas de direita foram artistas alienados e cegos para a triste realidade brasileira. Muitas de suas músicas, inclusive, sofreram pesado processo de censura, fazendo com que artistas como Odair José e Waldick Soriano tivessem que prestar contas junto a órgãos oficiais e, em alguns casos, fazer mudanças de última hora em suas letras.

Mais que tudo, o que o imenso preconceito que cerca a obra destes artistas revela é o, até agora, intransponível abismo social que separa a elite letrada da imensa massa de analfabetos, esfomeados e sub-empregados desta Nação.

O desprezo que, tanto a classe média de formação universitária, quanto os formadores de opinião (imprensa, críticos e historiadores) demonstram sentir pela música dita cafona é, no fundo, o desprezo que se sente pelas empregadas domésticas, os porteiros, os pedreiros, os peões de obras e os milhões de anônimos que, muitas vezes, têm como sua única fonte de alegria os sons transmitidos em AM em seus radinhos de pilha.

Leiam, leiam, leiam!

5 comentários:

David® disse...

Luis, belo texto mas fiquei na dúvida quais idéias fazem parte do livro e quais são suas (com relação ao livro e ao período).
Mas valeu a dica. Vai entrar pra lista de desejos.
abs

ps: esse símbolodo da Polydor é um ícone da minha infância!

atsuhiro (conta da preguiça de mudar de login) disse...

Seu blog é ótimo, sinto até um pouco de vergonha na cara por vc seguir um blog tão tosco como o meu.
=] abraço

Serginho Tavares disse...

a Elis foi obrigada a gravar a música e com relação a chico, gil e caetano eles ganharam MUITO dinheiro com a ditadura
adorei o texto e quero ler esse livro
valeu a dica

Luis Valcácio disse...

David, a linha desenvolvida no texto é basicamente um resumo das ideias defendidas pelo autor do livro. Diga-se, de passagem, que comungo da maioria delas e que virei um fã assumido do Paulo Cesar. E pensar que sua biografia sobre Roberto Carlos sofreu do mesmo mal denunciado em Eu Não Sou Cachorro, Não. Triste ironia...

Anônimo disse...

meu caro, acredite, divulgando esta obra em seu "blog" está prestando um enorme serviço à história deste país e à memória afetiva de muitos.

Lázaro Luis Lucas
Brasília-DF