sexta-feira, 28 de agosto de 2009

Literatura e Cinema

Por Lázaro Luis Lucas

Não há quem não faça. Sempre que algum produtor de cinema e/ou televisão resolve adaptar uma obra literária, aquele cinéfilo que também aprecia um boa leitura, não consegue resistir à tentação de comparar o resultado final visto nas telas com o livro que serviu de base para a adaptação. E o veredito, quase sempre, é o mesmo: o livro é melhor.

Em alguns casos mais extremos, só gosta do filme quem desconhece a obra original. E tudo isto não deixa de ser uma verdade. Mas não é absoluta.

Acredito que desde que surgiu o cinema tal como o conhecemos - e o mesmo deve ter ocorrido com a TV -, surgiram também as adaptações de obras literárias. Romances, textos compostos originalmente para o teatro, poemas.

Todo e qualquer tipo de material escrito já deve ter sido usado como base para um roteiro. Podemos encontrar, só para se ter uma ideia, o livro Frankenstein: Or The Modern Prometheus, de Mary Shelley, escrito entre 1816-1817, adaptado em curta-metragem para o cinema, já em 1910, por Thomas Edison. O cinema tinha apenas 15 anos à época.

William Shakespeare, as irmãs Brontë, Stephen King, Nelson Rodrigues, Michael Crichton, John Grisham, Edgar Allan Poe, Graciliano Ramos, J. K. Rowling, J. R. R. Tolkien, Aleksei Tostoy. A lista é infindável.

Acredito que existam, pelo menos, três formas de adaptação cinematográfica. A primeira seria a adaptação ao pé da letra. Aqui, busca-se se preservar ao máximo o conteúdo do texto original. Obras literárias já lançadas com ambições a roteiros cinematográficos abrem ampla vantagem em comparação às demais. Mas o cinema não é matemática. O que funciona muito bem com o simpático bruxinho de J. K. Rowling revela-se um desastre em O Caçador de Pipas (Marc Forster, 2007).

A segunda seria a tirando de letra. Aqui, o que vale são as regras do mercado. Muda-se o que for preciso. O importante é fazer dinheiro. Creio eu que os produtores de cinema e TV pensam, e com certa razão, que uma coisa é um leitor interessado em uma boa leitura. Outra coisa é o pagante de cinema que, nas maioria das vezes, está ali apenas para se entreter por uns 90 minutos. Enquanto o primeiro sabe exatamente o que está lendo, o segundo, quase sempre, nem está informado sobre o tema do filme. Sabe apenas que é uma comédia com Selton Mello. E é ao segundo que o filme, e não o livro, tem de agradar.

Não posso deixar de pensar aqui em Fernando Meirelles e na adaptação que fez de Ensaio Sobre a Cegueira (José Saramago, 1995). Optando pela fidelidade a um dos livros mais impressionantes que eu já li, foi ignorado, injustamente, nas bilheterias de vários países do mundo. Às pressas, produtores e diretor fizeram o possível para atrair o público aos cinemas. Perda de tempo. O filme Ensaio Sobre a Cegueira foi perseguido até por quem não o havia visto. E nem poderia fazê-lo.

A terceira forma de adaptar um texto para o cinema é o letras mortas. Nesta modalidade, preserva-se o mínimo indispensável para que o público o reconheça enquanto uma adaptação cinematográfica de um livro. O resto ignora-se, até segunda ordem. Não há exemplo melhor que a franquia 007 para ilustrar. Concebido por Ian Fleming, o agente britânico com licença para matar adquiriu vida própria no cinema. Com 22 filmes oficiais e um não-oficial já lançados nas telas, a série é uma das mais bem sucedidas na história da sétima arte. Afinal, seu nome é Bond, James Bond.

Abaixo, apresento três obras-primas da literatura de língua portuguesa que foram convertidas em três obras-primas do cinema brasileiro. Em minha opinião, claro:
1 - Vidas Secas (Graciliano Ramos, 1938)
1' - Vidas Secas (Nelson Pereira dos Santos, 1963)
2 - A Hora da Estrela (Clarice Lispector, 1977)
2' - A Hora da Estrela (Suzana Amaral, 1985)
3 - Ensaio Sobre a Cegueira (José Saramago, 1995)
3' - Ensaio Sobre a Cegueira (Fernando Meirelles, 2008)

7 comentários:

Roberto Ney disse...

Já assisti aos três filmes e já li os tres livros... concordo plenamente.

é difícil um bom livro caber em um bom filme. é uma tarefa árdua e dificultosa... acrescentaria a sua lista o filme Olga, que não me decepcionou... embora o livro tenha sido um dos melhores que já li.

abraço e parabens pelo blog!

Fernando José disse...

Esta sua análise é de uma precisão e sensibilidade cinematográfica impressionantes.
Valeu!

Anônimo disse...

Pessoal, muito obrigado pelos comentários. A indicação de "Olga" foi pontual mas, infelizmente, ainda desconheço o livro, Roberto Ney. E Fernando José, obrigado mesmo pelo incentivo. Apesar de estar em terreno alheio, espero encontrar aqui amigos, virtuais ou não, para a troca de informações sobre o maravilhoso e inesgotável mundo do cinema. Um abraço.
Lázaro Luis Lucas
Brasília-Brasil.

Alberto de Oliveira disse...

Caro Lazaro.

Gostaria de citar dois exemplos da regra geral: "A Insustentável Leveza do Ser" (Milan Kundera) e "O Dia do Chacal" (Frederick Forsyth).

Bons livros, filmes decepcionantes.

Parabéns pelos textos impecáveis.

O Luis está bem acompanhado, afinal duas "feras" escrevendo sobre dois assuntos tão apaixonantes no mesmo lugar, não se vê em todo lugar!

Abraços aos dois,

Alberto de Oliveira.
Fortaleza - Ce

Principe Encantado disse...

Olá uma visita inesperada mais programada, que conteudo maravilhoso seuespaço exibe.
"A maior recompensa do nosso trabalho não é o que nos pagam por ele, mas aquilo em que ele nos transforma."
Continue firme e sucesso.
Abraços forte

Lázaro Luis Lucas disse...

Prezado Alberto, para mim nenhuma adaptação cinematográfica foi tão decepcionante quanto às de "O Nome da Rosa" e "A Casa dos Espíritos". No primeiro caso, ocorreu o seguinte: assisti, inicialmente, ao filme. Gostei, em particular da cenografia e da fotografia. O restante, me entreteve. Alguns anos mais tarde, li o livro de Umberto Eco. Bateu aquela vontade de rever o filme. Pelo amor de Deus, só sobraram a excelente cenografia e a fotografia. E mais nada. Admito que muito do que há no livro é simplesmente intransponível para a tela. Mas adulterá-lo daquele maneira, em particular na parte final, é criminoso. Restou a lição: sempre desconfie dessas adaptações em que mais de um roteirista põe a mão. Quanto a "A Casa dos Espíritos", tudo era óbvio demais. Eu que não quis enxergar. Pega-se uma obra literária de uma escritora chilena, passada no Chile. Coloca-se um diretor dinamarquês, Bille August, para dirigi-lo e co-escrever o roteiro com a ajuda da própria Isabel Allende. Filma-se tudo na Dinamarca e em Portugal com elenco multinacional. Oficializa-se a língua inglesa. Converte-se realismo fantástico, tão presente em nossa cultura latino-americana, em mera presença fantasmagórica melodramática. E pronto. Nem os esforços de Glenn Close em parecer latina com aqueles cabelos negros foram suficientes para aplacar minha decepção. Uma curiosidade. Todas as pessoas que amam o filme NÃO leram o livro. E não conheço ninguém, até a presente data, que tenha lido o livro e gostado do filme. No máximo, não o detestam tanto quanto eu. Um abraço.

Alberto de Oliveira disse...

Valeu Lázaro.

Como os exemplos lembrados deve haver mil outros por motivações ou imposições várias, infelizmente.

Aguardo sua próxima postagem.

Um abraço,

Alberto.