quarta-feira, 2 de setembro de 2009

Teatro e Cinema

Por Lázaro Luis Lucas

Já vão mais de 20 anos quando, pela primeira vez, li em uma resenha do filme Streamers - O Exército Inútil, sobre o conceito de teatro filmado.

O filme, produzido em 1983, foi dirigido por Robert Altman e roteirizado por David Rabe, a partir de uma peça de sua autoria.

A história de Streamers - O Exército Inútil ocorre durante a guerra do Vietnã e todo o filme desenrola-se nos limites de um alojamento militar, onde seis homens aguardam a ordem para embarcarem para a área de conflito. A descoberta da homossexualidade de um deles irá tornar ainda mais difícil o convívio entre eles.

Mais do que focar a câmera em um único cenário, o conceito aplicado por Robert Altman no filme faz com que tudo aquilo que pensamos ser cinema caiba, quase que exclusivamente, no roteiro e em seus intérpretes.

Aqui, o diretor se adapta a uma outra linguagem - a do teatro - para continuar fazendo o que sabe, cinema. E como no palco, o que realmente irá importar é a qualidade do texto e dos atores.

Filmes ambientados em um só cenário nunca foram novidade na história da sétima arte. Obras como Inferno nº 17, de Billy Wilder (1953), e Festim Diabólico (1948), e Janela Indiscreta (1954), ambos de Alfred Hitchcock, são bons exemplos de que não estamos divagando sobre algo tão extraordinário assim.

Então, o que torna para grandes mestres do cinema esse recurso tão interessante assim, além de economicamente viável? Eu, particularmente, acredito que seja a possibilidade de fazer com que o público se concentre naquilo que há de mais importante nesse tipo de obra: o texto.

Para o diretor de cinema, provavelmente um apreciador da obra original, é a oportunidade de trabalhar com esse material fazendo o que sempre fez, sem adulterar tanto o resultado final.

E grandes obras, não faltam. O próprio Robert Altman tem algumas delas. Faz parte de sua filmografia obras como Nashville (1975), 3 Mulheres (1977), Cerimônia de Casamento (1978), James Dean - O Mito Sobrevive (1982), Louco de Amor (1985), Além da Terapia (1986), Short Cuts - Cenas da Vida (1993), Prét-à-Porter (1994), Dr. T e as Mulheres (2000), Assassinato em Gosford Park (2001) e A Última Noite (2006).

Por fim, uma curiosidade sobre o tema. Em 1972, o ator britânico Michael Caine participou do filme Trama Diabólica, ao lado de Laurence Olivier, dirigido por Joseph L. Mankiewicz e com roteiro de Anthony Shaffer, a partir de sua peça Sleuth. Exatos 35 anos depois, retorna em uma nova adaptação da mesma peça, agora ao lado do ator Jude Law, em filme dirigido por Kenneth Branagh e com roteiro de Harold Pinter, que no Brasil ganhou o título Um Jogo de Vida ou Morte.

Abaixo, mais alguns filmes a serem (re)descobertos:
1- Ricardo III. Laurence Olivier (1955)
2- Tara Maldita. Mervyn LeRoy (1956)
3- O Que Terá Acontecido Com Baby Jane? Robert Aldrich. (1962)
4- A Dama Enjaulada. Walter Grauman (1964)
5- Armadilha Mortal. Sidney Lumet. (1982)
6- Querelle. Rainer Werner Fassbinder (1982)
7- Clube dos Homens. Peter Medak (1986)
8- Seduzida ao Extremo. Robert M. Young (1986)
9- O Telefone. Rip Torn (1988)
10- Impróprio Para Menores. Peter Bogdanovich (1992)
11- O Sucesso a Qualquer Preço. James Foley (1992)
12- Oleanna. David Mamet (1994)
13- Tio Vanya em Nova York. Louis Malle (1994)
14- Boleiros - Era Uma Vez o Futebol. Ugo Georgetti (1998)
15- Titus. Julie Taymor (1999)
16- 8 Mulheres. François Ozon (2002) e
17- Possuídos. William Friedkin. (2006)

Despeço-me hoje com pedidos de desculpas. O primeiro pedido é por praticamente não ter mencionado dois nomes que não poderiam de maneira alguma faltar no texto. David Mamet e John Sayles.

O segundo é por ter deixado de citar aqueles que representam o que há de melhor no cinema de humor norte-americano, atualmente. O diretor e roteirista Christopher Guest e toda a sua trupe, liderada por Eugene Levy e Catherine O'hara.

O terceiro pedido vai pela predominância do cinema de língua inglesa na listagem. Foi mal.

E, por fim, pela ausência do cinema brasileiro no desenvolvimento da ideia.

Na boa, gente, à exceção de Ugo Georgetti, e apesar das inúmeras adaptações dos textos de Nelson Rodrigues, nossos roteiristas, a priori, são péssimos. Não vou polemizar.

Cheguei a pensar em acrescentar os filmes Eu Sei Que Vou Te Amar (Arnaldo Jabor, 1986) e Barrela: Escola de Crimes (Marco Antônio Cury, 1990). Larguei de mão. São muito irregulares.

Pensei, ainda, em dois grandes filmes: o premiado O Beijo da Mulher Aranha (Hector Babenco, 1985) e o excelente Domésticas - O Filme (Fernando Meirelles, Nando Olival, 2001). Mas, ambos, são cinema em seu estado mais sólido.

6 comentários:

Adjafre disse...

Será tão ruim assim a produção cinematográfica brasileira, ou a nossa paciência é bem curta para produto nacional? Fico sempre me questionando, Lázaro.
Fale-me mais sobre isso, já que você, em poucas semanas, já me ilumina como um farol de porto seguro.
Abração,

Robson disse...

Aí Lázaro, já tive por várias vezes vontade de comprar o DVD deste filme, gosto muito do Robert Altman desde que assisti o excelente e infelizmente esquecido "Nashvile" em tempos idos, depois de seus comentários decidi comprá-lo.
Quanto ao cinema brasileiro, o que dizer de Glauber Rocha e Nelson Pereira dos Santos? dos novos "O cheiro do ralo" e "Baixio das bestas" tem muito a dizer.
Parabéns pelos seus comentários, Luís está em boa companhia.
Abraços
Robson

Lázaro Luis Lucas disse...

Adjafre, não há cinematografia que eu não assista. Tratando-se de cinema brasileiro, sinto-me preparado para trocar ideias sobre qualquer escola que tenhamos tido por aqui. Do Cinema Novo à Boca do Lixo, passando pelos filmes produzidos pela Vera Cruz, Estúdios Maristela e Companhia Cinematográfica Atlântida, de tudo sei um pouco. Podemos, enquanto fãs de cinema e não historiadores ou jornalistas, discorrer à vontade sobre os produtores A.P.Galante e Luiz Carlos Barreto. Divagar sobre a importância de "O Profeta da Fome" (Maurice Capovilla, 1969) para o cinema nacional. E também dar um basta a toda essa idolatria desmedida a Glauber Rocha e a sua filmografia. Podemos, ainda, falar sobre toda uma produção independente que vem sendo realizada neste país, sem recursos de leis de incentivo à cultura que, a grosso modo, só têm servido à canalhice de alguns de nossos "artistas" . Filmes como "Ai Que Vida", "A Capital dos Mortos", "Mangue Negro", "Inferno no Gama" e "Porto dos Mortos" são o resultado do trabalho de toda uma geração que, realmente, faz e ama o cinema.
O número de filmes produzidos no Brasil pode não ser nada, comparado ao da Índia ou dos EUA, mas temos, sim, uma cinematografia extensa. Por isto, me assusta tanto a quantidade de filmes sem nenhum valor em nosso cinema. Adjafre, uma coisa é a gente focar em uma obra bem-sucedida como "Se Eu Fosse Você" e esperar dela qualidade suficiente para eternizá-la no "hall" das obras-primas do cinema. O filme em questão foi produzido apenas para o nosso entretenimento. Daqui há cinco anos, apenas seus fãs irão dedicar preciosos momentos de sua vida para assistí-lo mais uma vez. Outra é Arnaldo Jabor, um realizador tido por autoral, apresentar ao público de cinema "Eu Sei Que Vou Te Amar". É impressionante, o filme já está datado no ano seguinte. Suas intenções artíticas definham a uma velocidade impressionante. E isto ocorre com a maioria dos filmes brasileiros. Se ainda hoje o Brasil encara Glauber Rocha como um gênio do cinema é mais por mérito de familiares e amigos que próprio. Sua filmografia é relevante, sim. Genial, jamais. E por que tem sido assim? Quase em sua totalidade, os filmes brasileiros vêm sendo produzidos, direta ou indiretamente, com recursos públicos. Pouquíssimos de nossos produtores, como o já citado A.P.Galante, investem dinheiro do próprio bolso para bancar um filme.
A maioria se satisfaz com o financiamento público. A propósito, nem sei o porquê do uso do termo "produtor". O nosso "produtor" de cinema está mais para secretário de obras. Pois bem, o filme, agradando ou não, já está pago. Então, lá vai. Por que eu, o "produtor", devo me preocupar com a qualidade técnica e artística do filme, se não fará nenhuma diferença para mim o resultado dele nas bilheterias? Agora, pergunto eu, cidadão, e se o filme for bem nas bilheterias? Sendo o dinheiro público, o financiador, retorna para os mesmos cofres o lucro obtido? Pois é, aparentemente, para se tornar produtor e diretor de cinema no Brasil só se precisa fazer política, aquela política bem brasileira. Talento? Quem precisa dele? Um abraço, Adjafre.

Adjafre disse...

Lázaro,
O seu conhecimento cinematográfico é exemplar, incorrigível. Obrigado por me orientar tão magnificamente.
E vejo que você é um cinéfilo sem preconceitos,pois aqui cita inúmeros trabalhos executados na periferia do mercado, inclusive bem perto de você, no Gama, que se não me falha a memória, é cidade bem próxima de Brasília.
Olha, não quero mais perder o contato com suas "aulas".
Vê se nos brinda com frequencia aqui no blog Vitrola Encantada.
Estou encantado com você, sem fazer trocadilho, já fazendo!!
Um abraço.

Anônimo disse...

Adjafre, muito obrigado pelas palavras gentis. Vamos ter muito o que "conversar" ainda. Um grande abraço. E até a próxima postagem.

Anônimo disse...

Prezado Robson, felizmente há bons títulos do diretor Robert Altman disponíveis em DVD no Brasil. Quanto às suas sugestões, espero um dia trocar boas ideias contigo. Um abraço e não deixe de postar suas impressões sobre essa pérola do inesquecível Altman. Até.