terça-feira, 23 de junho de 2009

Eu Também Sou Macabéa

O cinema brasileiro é como um paciente em estado muito grave: passa quase todo tempo dormindo, vive por meio de aparelhos e, vez ou outra, dá algum sinal de vida.

Um desses grandes sinais aconteceu num momento muito próximo da morte. Trata-se do longa A Hora da Estrela (BRA, 1985), dirigido por Suzana Amaral.

Era difícil imaginar o que a diretora extrairia de uma obra hermética, essencialmente literária, como o livro homônimo de Clarice Lispector.

Mas Suzana conseguiu, magistralmente, traduzir em imagens um fluxo verbal intenso e catártico. Talvez, percebendo a sutil e, por vezes, cruel poesia com que Lispector descreve sua personagem-foco, Suzana optou por fazer uma pequena tragicomédia, um retrato terno mas sem retoques de um ser humano colado às margens da vida.

Marcélia Cartaxo interpreta, com sensibilidade e delicadeza raramente vistas, uma Macabéa universalmente (todos nós somos um pouco como ela) tosca e permanentemente diminuída pelas circunstâncias.

Nada em sua existência pode ter um final feliz. Seu trabalho é triste e deprimente. Não tem amigos nem namorado (Olímpico não pode ser chamado sequer de um arremedo disso). Come mal. Diverte-se pouco ou nada. Divide um quarto de pensão com outras coitadas que, embora compartilhando do mesmo cotidiano miserável, ainda a menosprezam.

A vida de Macabéa passa letárgica, mas a magia de A Hora da Estrela é nos arrastar para essa morte e vida severina sem nos mostrar o caminho da volta.

É um filme tão simples e bonito que, agora mesmo, quando escrevo, me pego emocionado ao lembrar de suas cenas.

Isso é tão raro no cinema brasileiro que fica a pergunta: por que o Brasil não consegue fazer mais filmes assim?

Material literário e humano certamente não nos falta.

E pensar que tal maravilha continua inédita no formato DVD. Coisas de um país que segue produzindo Macabéas aos milhares...

Ah, esse texto é para o Lázaro e o Afonso, fiéis seguidores do Vitrola e fanáticos pelo filme.

5 comentários:

Flávia Cavalcante disse...

Eu sempre me emociono muito com A Hora da Estrela. Choro por mim, talvez, né Luis?

Afonso C. disse...

O que mais entalo em Macabéa é nesse apostolado de sua imensa dor devassa.

Luis Valcácio disse...

Flávia, acho que enxergamos muito de nós mesmos naquele ser tão desamparado. Como disse o Afonso, encarar a imensa dor da existência, é como encarar o abismo. E isso pode ser bem duro. Ainda bem que temos a arte para nos salvar um pouquinho, né?
Abraços

Miguel Leocádio Araújo disse...

Eu adoro o livro, o filme; às vezes eu me sinto a Macabéa. e seu texto reaviva esse gosto.

Flávia Cavalcante disse...

Pois é, Luis, a arte nos salva a esta profunda condenação da existência, talvez.
Será?