terça-feira, 27 de julho de 2010

Filha de Peixe

Ter um sobrenome famoso é uma bênção e uma maldição. Deve facilitar absurdamente as coisas, mas por outro gera um imenso peso e uma eterna comparação.
Na maioria das vezes, artistas que se valem de parentes brilhantes para chamar a atenção são uma farsa.
Aqui no Brasil, muito mais que isso, são uma verdadeira praga. Pensemos, por exemplo, em Preta Gil. Qual o talento da moça? Cantar, não canta. Como atriz é um vexame. Como apresentadora limita-se a encarnar um modelo de mulher-viado que existe aos montes por aí. No entanto, a bela – sim, eu a acho bonita – não sai dos holofotes desde que entrou no meio artístico. Se não fosse filha de quem é, fico imaginando quanto tempo teria durado essa carreira baseada na abundância da falta de talento (é paradoxal, mas é isso mesmo).
Lá fora, onde a concorrência e o profissionalismo ditam as regras, o buraco é bem mais fundo.
Não que não exista nepotismo e gente sem talento sendo empurrada pela goela do público. Mas para se estabelecer é bem mais complicado. Michael Douglas, só para falar de um caso clássico, passou anos amargando comparações com seu pai, o grande Kirk Douglas, até se afirmar como ator de respeito e produtor ousado.
O mesmo peso deve ter perseguido a atriz e cantora Charlotte Gainsbourg. Filha de um dos maiores ícones da cultura popular francesa, o multimídia Serge Gainsbourg, Charlotte estreou ainda pré-adolescente num dueto com o próprio pai, escandalosamente intitulado Lemon Incest. Obviamente que Serge, sendo um dos maiores provocadores de todos os tempos, não poderia deixar passar em branco a chance de chocar moralistas e hipócritas de todos os matizes.
Mas Charlotte é uma artista com vida própria. Recentemente cometeu seu próprio momento ultrajante ao revoltar platéias do mundo inteiro, que se indignaram com as cenas de mutilação genital mostradas no filme O Anti-Cristo, de Lars Von Trier. Para lá da polêmica, quem tem a cabeça um pouco mais arejada conseguiu perceber uma atriz forte, corajosa e de complexos recursos. Para mim, é a grande estrela do filme, de resto uma obra menor de Trier.
No campo da música, Charlotte também tem se revelado uma cantora muito interessante. Não que ela cante exatamente. Na tradição de sua mãe, a inglesa Jane Birkin, Charlotte sussurra, geme e desafina em iguais doses. O truque é a habilidade para usar essa voz pequena e limitada para criar mágica.
No seu primeiro disco, 5:55, Charlotte fez um trabalho ancorado no pop da dupla francesa Air, com o auxílio luxuoso do cantor e compositor Jarvis Cocker. É, portanto, um disco bastante francês, apesar de boa parte das letras serem cantadas em inglês. Tudo é muito lânguido, as texturas são muito delicadas e os arranjos são feitos sob medida para o balbucio de Gainsbourg.
O novo disco, Irm, vem produzido pelo enfant terrible da música americana, Beck. Como no trabalho anterior, as inclinações artísticas do produtor dão a tônica, com mais experimentalismos e batidas eletrônicas desta vez. A favor de Charlotte, deve-se dizer que ela está mais solta como intérprete.
Só me pergunto se, deixada sozinha sem a ajuda desses gênios do estúdio, a moça conseguiria gravar ao menos uma música que se salve.
É esperar para ver.

quinta-feira, 22 de julho de 2010

Sweet Soul Music


Já falei dela aqui no Vitrola, mas nunca é demais relembrar o incrível talento desta cantora americana e de seu soberbo grupo de apoio. Estou me referindo a Sharon Jones & The Dap Kings, que estão de disco novo, o excelente I Learned The Hard Way.

Uma parte da crítica continua torcendo o nariz para eles, acusando-os de simplesmente requentar as fórmulas consagradas da soul music e do funk, sem acrescentar nada de contemporâneo ou de pessoal.

Quem não está nem aí devem ser eles, que continuam fazendo sua música deliciosamente dançante e, porque não, absolutamente retrô.

O novo disco não apresenta mudanças significativas em relação aos ótimos 100 Days, 100 Nights e Naturally, mas enquanto nos trabalhos anteriores a sonoridade era puro anos 60, agora sente-se mais presente a estética pesada e suja dos anos 70.

Seja como for, Sharon continua sendo a melhor cantora de soul da atualidade (sua única concorrente de peso é Amy Winehouse, mas esta parece estar mais preocupada com os tablóides que com o novo disco) e os Dap Kings o melhor grupo de apoio que uma fofa pode desejar.
Irresistível!

segunda-feira, 19 de julho de 2010

Animados e Sonorizados

Meu personagem preferido de desenho animado é um tubarão gigantesco que atendia pela alcunha de Tutubarão.
Contrariando o mito de fera dos mares, o tubarão animado é um animal covarde, desajeitado, efeminado e absolutamente adorável.
Para completar, Tutu toca bateria num conjunto musical formado por jovens que, invariavelmente, se envolvem em mistérios e confusões. Tudo isso passado num mundo submarino futurístico.
A fórmula é a mesma criada no desenho Scooby Doo e imitada em incontáveis desenhos desenvolvidos pela Hanna-Barbera na década de 1970. Mas Tutubarão é muito mais divertido e cativante que o cão medroso imortalizado por Scooby.
Desenhos com bandas musicais foram uma verdadeira moda a partir do final da década de 1960. Em The Archie Show , a banda adolescente The Archies conseguiu perpetrar um sucesso mundial com a simpática canção Sugar, Sugar.
De lá para cá, surgiram outras bandas clássicas como Josie e As Gatinhas e até mesmo os garotos do Jackson 5 acabaram virando personagens animados, sempre embalados por músicas antológicas como ABC e I Want You Back.
Recentemente, uma banda virtual alcançou um sucesso e uma projeção pelos quais muitos grupos “reais” dariam um braço e uma perna. O Gorillaz era um projeto despretensioso do vocalista do Blur, Damon Albarn junto ao cartunista Jamie Hewlett.
Com Albarn no comando das criações musicais e Hewlett responsável pelo visual, o grupo formado pelo melancólico 2-D, o misto de Syd Vicious com Keith Richards chamado Murdoc mais a diminuta Noodle e o peso-pesado Russell vendeu cerca de 20 milhões de discos de seus dois primeiros trabalhos (Gorillaz e Demon Days) e já está com um novo registro nas lojas (Plastic Beach).
Acho o Gorillaz 50% lixo e 50% luxo. Em meio a muita bobagem e ao excesso de hip hop, há maravilhas que arremessam a música pop para o futuro. Sobretudo nas colaborações, o Gorillaz encontra o meio termo perfeito entre as aspirações artísticas nem sempre muito claras de Albarn e a concepção de uma música pop contemporânea altamente inteligente e ousada.
Basta escutar, no novo disco, a perfeição de Stylo, que junta o rapper Mos Def e o mestre do soul Bobby Womack. O resultado é tão surpreendente que chega a assustar.

quinta-feira, 15 de julho de 2010

Cru e radical

Aos poucos começam a sair no Brasil reedições de discos de peso da história do rock.

Exile On Main Street (Stones), Tapestry (Carole King), I Do Not What I Haven´t Got (Sinéad O´Connor), todos chegaram novamente às loja em edições duplas remasterizadas e com belo tratamento gráfico.

Agora é a vez de Raw Power, álbum histórico de Iggy Pop e seu louquíssimo grupo The Stooges. Que eles são responsáveis por muita coisa boa que surgiu a partir do final dos anos 70 – e estou falando do glam, do punk, do gótico, do grunge e do rock experimental – já é um fato pacífico, mas a pergunta que eu me faço é: quantas pessoas realmente conhecem o som dos Stooges?

Donos de uma discografia pequena, os caras talvez assustem um pouco por conta de sua sonoridade suja, agressiva e intensa. A imagem de Iggy coberto de sangue, em confronto direto com sua audiência talvez seja a tradução perfeita do que é um disco dos Stooges.

Não é para qualquer um, mas definitivamente traz recompensas imensas para quem se dispõe a adentrar neste universo de noites regadas a drogas, sexo, perigo e marginalidade.

domingo, 11 de julho de 2010

Música e Cinema - O Lado "B"

Por Lázaro Luis Lucas
Muito antes mesmo de ter acesso a uma cópia de Cannibal Holocaust, lançado há alguns meses atrás no Brasil pela Platina Filmes, pude, por meios ilícitos, ouvir a maravilhosa trillha sonora composta pelo italiano Riz Ortolani para o longa-metragem do diretor Ruggero Deodato, de 1980. Os dois trabalhariam ainda juntos naquele mesmo ano em La Casa Sperduta Nel Parco - em inglês House On The Edge Of The Park.
E é exatamente em razão do lançamento da obra máxima de um cineasta tão desinteressante quanto reverenciado por críticos e cinéfilos de todo o mundo, que apresento-me aqui diante dos leitores do Vitrola Encantada para expressar a minha paixão pela composição de Riz Ortolani para o filme Cannibal Holocaust.
Antes de tudo, porém, quero deixar bem claro que não tenho nenhum tipo de formação musical. Sou apenas um apaixonado por filmes e suas trilhas sonoras, como muitos de vocês aqui.
Nascido em 1931, o compositor e regente Riziere "Riz" Ortolani iniciou sua carreira no cinema em 1962 com o pseudo-documentário Mondo Cane, dirigido por Franco Prosperi, Gualtiero Jacopetti e Paolo Cavara.
À época, o enorme sucesso da música-tema More, composta por Ortolani e Nino Oliviero e com uma nova letra, agora em inglês, escrita por Norman Newell, viabilizou sua indicação ao prêmio de Melhor Canção no Oscar de 1964. Antes porém, o filme já havia conseguido a proeza de disputar a Palma d'Ouro no 15º Festival de Cinema de Cannes, perdendo-a para O Pagador de Promessas, de Anselmo Duarte.
Bastante produtivo, Riz Ortolani colaborou com todo tipo de cineasta. Dos bagaceiras Lucio Fulci e Umberto Lenzi aos autorais Vittorio de Sica e Dino Risi. Trabalhou ainda com os acadêmicos Edward Dmytric e Lamont Johnson e com o "1001 utilidades" Damiano Damiani, cineasta, infelizmente, subestimado por críticos e fãs de cinema. A produção era tamanha, que só em 1969 foram 14 trilhas sonoras assinadas por ele.
Compôs, ainda, em 1970 a trilha internacional para o filme O Cangaceiro, de Lima Barreto. A original, é bom deixar registrado, é de Gabriel Migliori (1909-1975). Não raro, suas composições musicais superavam em qualidade as obras cinematográficas a que serviam.
Assim, em 1980, com prestígio dentro e fora da Itália, Ortolani une-se a Ruggero Deodato em duas empreitadas cinematográficas. Naquele ano, e nos anos seguintes, são lançadas em todo "mundo livre" as obras La Casa Sperduta Nel Parco e Cannibal Holocaust.
Desagrando a todo tipo de segmento social existente à época, em particular grupos ligados à defesa e à dignidade da mulher e as sociedades protetoras dos animais, ora os filmes eram reeditados ora censurados.
Em alguns países, os filmes eram retirados de cartaz e em outros nem chegavam a entrar. Decisões mais radicais os baniam de vez. Ruggero Deodato chegou, inclusive, a ver o sol nascer quadrado por conta de Cannibal Holocaust. Alguns afirmam que há, ainda hoje, algum mandado de prisão para ser cumprido contra o cineasta.
A verdade, depois de se abstrair toda a lenda urbana em torno dos filmes e de seu realizador, é que estamos diante de filmes muito ruins, mas, em particular no caso de Cannibal Holocaust, obrigatórios para todo cinéfilo de respeito.
Em Cannibal Holocaust, a inesquecível música de Riz Ortolani combinada à excelente edição de Vincenzo Tomassi e ao trabalho do fotógrafo Sergio D'Offizi faz o contraponto necessário à canastrice do elenco principal e de apoio, ao roteiro ridículo - admito que a ideia central é bastante original - e à direção pífia de Deodato.
Observe que Ruggero Deodato faz uso dos mesmos golpes baixos que o personagem Alan Yates (Gabriel Yorke), um documentarista pilantra e mau-caráter, na busca incessante por fama e fortuna.
Quanto ao trabalho de Riz Ortolani, as composições Cannibal Holocaust (Main Theme), Adulteress' Punishment - presente em um dos momentos mais desagradáveis do filme - e Crucified Woman - fundo musical para o pseudo-documentário The Last Road To Hell - não só imprimem dramaticidade aos momentos mais marcantes - em todos os sentidos - do filme como enriquecem o vasto universo das trilhas sonoras compostas originalmente para o cinema.
Uma obra-prima, sim, a música de Cannibal Holocaust.

quarta-feira, 7 de julho de 2010

Letra e Música

A revista Bravo deste mês apresenta matéria de capa na qual dá uma geral na evolução das letras em um gênero em que letra deveria ser tudo, menos importante: o rock.

Tendo como mote a iminente visita de Lou Reed à próxima Flip Festa Literária de Parati – o texto do jornalista Artur Dapieve tece um breve histórico das mudanças sofridas pelas letras, mas falha ao não retratar o contexto político-social que permitiu o surgimento de mestres como Bob Dylan e o próprio Reed.

Sim, porque grandes letristas que são, nem Dylan nem Reed seriam possíveis sem a erupção social e cultural que balançou o mundo nos anos 60. E também é meio que forçar a barra chamar Lou Reed de “filho” de Dylan.

Uma diferença de poucos anos separa os dois e pode-se dizer que representam lados opostos do mesmo fazer poético. Dylan, com sua pena mais politizada e erudita, é uma versão moderna de trovadores medievais, bardos renascentistas e artistas de tradição folk que usavam sua música como arma contra a opressão.

No lado oposto, Reed está muito pouco preocupado com as misérias deste mundo. Sua lírica investe pesado em temas mais urbanos como prostituição, drogas e sadomasoquismo. Seu universo contempla travestis, moradores de rua, o submundo de Berlim e de Nova Iorque.

Se Dylan eternizou-se com um violão e uma gaita, Reed distorceu sua guitarra de forma ensurdecedora e pariu, de uma tacada só, o punk e o rock alternativo.

O que é inquestionável tanto em um como no outro é a qualidade de suas produções poéticas, a influência de seus discos e a importância de suas carreiras.

O que nos leva a pensar no estado de nossa própria produção musical. Que seja cada vez mais claro que o futuro não nos reserva nada da qualidade de um Caetano Veloso ou de um Chico Buarque, isso é evidente.

O terreno sempre movediço da música popular permite o aparecimento aqui e ali de focos de inteligência e sensibilidade. Genialidade e clarividência, no entanto, são coisas do passado.

Num país em que se lê muito pouco e no qual a educação pública vive um processo de total desmantelamento, o que se assiste é um empobrecimento radical dos textos cantados. Seja pela adoção da linguagem sintética vinda da internet ou por simples preguiça intelectual, o fato é que não se aproveita quase nada dos escritos desses jovens que fazem música por aí.

Será realmente a geração do “puta falta de sacanagem”, que devora Harry Potter e faz fila para ver Crepúsculo, quem carregará a tradição de grandes letras na nossa música? Acho difícil.

Ou alguém acredita que o Restart e o NXZero ainda farão uma letra que chegue aos pés de Índios?

O Exagerado

A emoção acabou
Que coincidência é o amor
A nossa música nunca mais tocou
(Codinome beija-flor)
Hoje, 7 de julho de 2010, são 20 anos de morte de Agenor de Miranda Araújo Neto, o cantor e compositor Cazuza.

terça-feira, 6 de julho de 2010

O Homem de Preto

Lançamentos póstumos sempre foram uma mina de ouro para gananciosos executivos de gravadoras e um deleite para urubus de todos os tipos.

Estima-se, por exemplo, que Elvis Presley tenha vendido muito mais depois de morto que quando rebolava seu famoso quadril nos hotéis de Las Vegas.

A mesma praga parece assombrar outra lenda da música americana, o cantor Johnny Cash. Desde sua morte em 2003, incontáveis coletâneas cobrindo a carreira do primeiro e único “Homem de Preto” pipocaram e até mesmo um filme sobre sua infância e início de carreira foi lançado (Johnny e June, que rendeu, inclusive, um Oscar à atriz Reese Witherspoon).

Mas há dois lançamentos póstumos que podem ser colocados acima de qualquer suspeita: o disco de 2006, A Hundred Highways e o recém-lançado Ain´t No Grave. Ambos pertencem à magnífica série gravada por Cash ao lado do produtor Rick Rubin e conhecida como American Recordings. Os quatro discos iniciais da série, lançados a partir de 1994, reapresentaram Cash para uma geração de ouvintes que desconheciam, ou conheciam muito pouco, a obra do autor de dois mitológicos álbuns gravados ao vivo em penitenciárias norte-americanas (At Folson Prison e Live At St. Quentin).

É claro que não se pode esquecer do trabalho de gênio feito pelo produtor Rubin, que apresentou a Cash uma nova safra de compositores e reduziu os arranjos ao mínimo necessário, ressaltando a voz grave e intensa de Cash. Foi assim que surgiram versões magníficas de canções alheias como One (U2), The Mercy Seat (Nick Cave), I Won´t Get Back (Tom Petty) e Rusty Cage (Soundgarden), ao mesmo tempo em que emergiam as belíssimas composições do próprio Cash.

Todos os cinco discos da série são indispensáveis, retratos irretocáveis de um grande artista exorcizando seus demônios e renascendo como intérprete. Nesse sentido nada pode ser mais tocante que a recriação da canção Hurt, do Nine Inch Nails.

Presente no quarto álbum da série, The Man Comes Around, Hurt aparece despida dos adereços eletrônicos presentes no original, revelando cada mínima nuance de um homem já lentamente destruído pela doença que o levaria alguns meses depois. O vídeo da canção mostra a fragilidade do homem. Mas o que fica na cabeça é a fortaleza e a grandiosidade do artista.